Lobby da maconha
RONALDO RAMOS LARANJEIRA e ANA CECILIA PETTA ROSELLI MARQUES
FOLHA DE SÃO PAULO - 20/08/10
É triste que profissionais de renomadas universidades não alcancem a complexidade de um assunto que traz sérias repercussões para a saúde
O lobby da maconha no Brasil é um movimento forte e coeso. Tem uma ideia fixa: a legalização das drogas. Para se manter, usa elementos como uma pretensa respeitabilidade e a estratégia de confundir o debate.
O primeiro tem sido conseguido com a mídia, representantes da cultura, da Justiça e até com alguns profissionais da saúde. O segundo, a confusão, fica por conta de ativistas comprometidos com a causa da legalização, cujo debate tem única dimensão: a legalização como forma mágica de resolver o problema.
Quanto mais confusas as ideias, e aparentemente defendidas por celebridades, mais parece que a maconha seja droga leve; assim, a legalização soa como consequência. Quem mostra uma argumentação mais complexa é suspeito.
A Folha publicou, em 30 de julho, artigo de representantes de importantes instituições de ensino e pesquisa nos atacando pessoalmente ("Ciência e fraude no debate da maconha", "Tendências/Debates"), por publicação anterior sobre o dom de iludir da maconha.
É triste constatar que profissionais de universidades renomadas têm a paixão dos lobistas e não alcançam a complexidade intelectual de um assunto com sérias repercussões para a saúde. Para além da unidimensionalidade do debate proposto pelo lobby, em que vários assuntos se confundem, retoma-se: 1. Maconha faz mal à saúde.
Qualquer revisão científica concorda com os efeitos deletérios do uso crônico da maconha. O livro mais recente, "Cannabis Policy" (2010), começa reconhecendo tais efeitos para depois discutir mudanças na política. Qualquer alteração na política que aumente o consumo de drogas aumenta o dano. O lobby da maconha se recusa a aceitar tais evidências sobre os riscos.
2. O uso terapêutico da maconha não tem comprovação científica, especialmente o uso de sua fumaça. Se recomendado, com mais de 400 componentes tóxicos, negaria a busca da ciência por produtos cada vez mais seguros.
Algum dos componentes da maconha pode ter propriedades medicinais, mas isso está longe de receber aprovações de órgãos como o "Food and Drug Administration" (FDA, agência reguladora de remédios e alimentos nos EUA). O lobby da maconha quer convencer a população de que a maconha é uma droga segura.
Uma das batalhas emblemáticas desse lobby, que chega ao absurdo de propor que a maconha possa ser usada como tratamento para usuários de crack, exemplo de indigência intelectual, uma desconsideração com a saúde da população.
3. Não precisamos que o governo federal, por meio da Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), crie uma agência para coordenar pesquisas sobre a maconha terapêutica, a "Maconhabras".
Com milhares de usuários de crack nas ruas sem tratamento, gastar o dinheiro público dessa forma é ofender famílias desassistidas, que batem à porta dos serviços públicos sem encontrar apoio. Já existem diversos órgãos de fomento às pesquisas no país.
4. A lei antidrogas vigente praticamente descriminalizou o uso. Por coincidência ou não, o consumo de drogas aumentou, segundo todas as pesquisas. O lobby da maconha não reconhece que temos uma das leis mais liberais do mundo, ainda sem avaliação, e querem maiores facilitações para o consumo?
O debate sobre a maconha é complexo, uma droga que tem o dom de iludir. Lobistas da maconha, mesmo aqueles travestidos de neurocientistas, não entendem essa complexidade. Mostram a certeza dos fiéis de uma seita, voltados à legalização da erva.
A sociedade brasileira os rejeita, pois sabe que estão distantes das diretrizes de uma boa política sobre drogas e da defesa dos interesses do povo brasileiro.
RONALDO RAMOS LARANJEIRA é professor titular de psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e coordenador do Instituto Nacional de Políticas sobre Álcool e Drogas (Inpad/CNPQ).
ANA CECILIA PETTA ROSELLI MARQUES, doutora pela Unifesp, é pesquisadora do Inpad/CNPQ.
Excelente a resposta da dra. Ana Cecília e o Dr. Laranjeira. O artigo de S.Ribeiro, J. Menezes, J. Pimenta e S. Rehen em Tendências/Debates de 30/07/10 deixa ao leitor comum, não cientista, não especializado no tema das drogas ilícitas e lícitas com a estranha sensação de se tratar de uma defesa da maconha em contra da posição dos Drs. Ronaldo Laranjeira e Ana C. P. Marques, conhecidos pela postura firme em contra da legalização da droga. Que uma determinada substância seja medicinal ou não, e que a ciência investique e pesquise os possíveis benefícios não implicam para nada em legalizar o uso livre da tal sustancia. A maconha tem reconhecidos efeitos maléficos, não só como porta de entrada a outras drogas ainda mais pesadas, mas tembém em si, causando surtos psicóticos e preparando o caminho para quadros irreversíveis de profundo dano cerebral nos usuários.
ResponderExcluirSe há lugar para qualquer debate científico, isso deve ser canalizado nos órgãos dos pesquisadores, cuidando de não passar aos leigos a clara impressão de que se está a favor da legalização da droga, mesmo quando há programas em curso de recuperação dos usuários infratores e sem antecedentes penais, o que já diferencia ao dependente, vítima, do traficante. Os cientistas devem, -como Ronaldo Laranjeira e Ana C. P. Marques fazem-, divulgar seus estudos, sempre lembrando do drama de milhares de famílias de usuários de drogas que lutam contra uma doença irreversível e fatal. Não é de nenhuma ajuda nesta guerra que outros especialistas venham semear as dúvidas que Ribeiro, Menezes, Pimenta e Rehen levantam no artigo sobre um tema de saúde pública, já tão negligenciado pelos governos.
M. Cristina Pacheco
Víctor Barrionuevo
W-270383-G
Falácias contra a maconha
ResponderExcluirRonaldo Ramos Laranjeira, professor da Unifesp e coordenador do Instituto Nacional de Políticas sobre Álcool e Drogas, e Ana Cecilia Petta Marques, pesquisadora do mesmo Inpad/CNPQ, meteram-se no debate acerca da legalização da maconha que a Folha promove com seus “especialistas”. O artigo chama-se “Lobby da maconha”. Os argumentos são batidos, mas reúnem as principais deturpações proibicionistas em voga.
1. “Maconha faz mal”: irrelevante. Toda substância pode causar dano à saúde. Os horrores do câncer, do infarto ou do vício jamais serviriam para proibir legumes tratados com agrotóxicos, frituras ou remédios que provocam dependência. O argumento da saúde pública tem a mesma duração de um copo de cachaça.
2. “Efeito terapêutico não é comprovado”: mentira. Procurem os trabalhos do Dr. Raphael Mechoulam, da Universidade Hebraica de Jerusalém. Depois sigam suas indicações por experiências semelhantes no Canadá, nos EUA e em toda a Europa. Mas, afinal, acadêmicos não deveriam possuir esse tipo de informação?
3. Efeito terapêutico é obrigatório: mentira. A descriminalização da maconha é endossada por inúmeros argumentos, de várias disciplinas. O enfoque no uso medicinal da erva é armadilha retórica para limitar esses argumentos a apenas um, frágil e sujeito a endossos de “autoridades competentes”. Nenhuma substância legalizada precisa ser obrigatoriamente benéfica à saúde.
4. “Droga insegura”: alguém conhece droga segura? Quem leva o assunto a sério sabe que existem dezenas de maneiras de minimizar os danos da cannabis. É possível inalar fumaça fria, gerada por plantas controladas, com baixo teor de resíduos tóxicos. E até saborear bolos de chocolate com cobertura de marshmallow...
5. “Nossa legislação já é liberal”: mentira. É tão repressiva e obsoleta que os brasileiros são impedidos pelo próprio Judiciário de questioná-la publicamente. Ou são imediatamente chamados de lobistas. Se alguém quiser conhecer leis avançadas, procure na Holanda, na Espanha, em Portugal, no Canadá e na Argentina, onde se permite o cultivo doméstico de maconha.
6. “A legalização disseminaria o uso”: mentira. Os governos dos países acima possuem dados bastante claros a respeito, disponíveis aos nobres doutores. Desde a Lei Seca, prevalece uma lógica imutável: o consumo só aumenta onde há proibição. Também a criminalidade, a corrupção policial e a marginalização do usuário.
7. O tal “lobby”: uma tolice conspiratória. Talvez convenha a colunistas irados (como Ruy Castro) ou a governos repressores, mas não parece adequado em manifestações científicas. O único lobby atuando nesse debate é favorável ao equívoco repressivo. Seu misterioso poder de convencimento pode ser aferido pela facilidade com que certos acadêmicos se dispõem a repetir bobagens que não passam no escrutínio mais benevolente. E, já que tocaram no assunto, uma pergunta singela: quanto os laboratórios farmacêuticos deixariam de lucrar com a legalização da maconha?
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