terça-feira, agosto 17, 2010

MERVAL PEREIRA

Zona de conforto
Merval Pereira
O GLOBO - 17/08/10 

Não poderia haver situação mais confortável para a candidata oficial do que começar a campanha de rádio e televisão hoje com as pesquisas mostrando-a em ascensão e com a possibilidade de vencer já no primeiro turno. Não era esse o cenário que o candidato oposicionista imaginava, e provavelmente a estratégia montada deve ter sido alterada na última hora

Todas as contas de José Serra eram de chegar ao horário eleitoral pelo menos em situação de empate técnico, para virar o jogo com o auxílio da campanha eletrônica e dos debates que ainda se realizarão.

O problema é ainda maior porque o tucano está perdendo força em estados e mesmo regiões onde deveria ter seu melhor suporte eleitoral: em São Paulo, com reflexos na região Sudeste, e no Sul do país.

Desde a última eleição, o país vem votando dividido por regiões no primeiro turno, o que o torna muito semelhante, em termos eleitorais, aos Estados Unidos, que têm estados vermelhos (republicanos) e estados azuis (democratas).

E existem os estados que são chamados de “campos de batalha”, onde os dois partidos disputam os votos de maneira equilibrada.

O presidente Barack Obama se elegeu em 2008 tendo vitórias históricas em estados que tradicionalmente optavam por candidatos republicanos, como Ohio e Pensilvânia.

E ganhou também em “campos de batalha” como Virgínia, que não escolhia um candidato democrata desde 1964, mas mesmo assim não era considerado um estado “vermelho”.

Aqui no Brasil, as regiões Sul e Sudeste têm sido “tucanas”, enquanto o Norte e o Nordeste têm votado com o PT.

Até as pesquisas de ontem, esse equilíbrio se mantinha, embora já fosse detectado um enfraquecimento da candidatura de José Serra em estados em que a oposição domina, como os estados do Sul, onde, mesmo continuando na liderança, a distância para Dilma estava sendo reduzida.

Na região Sudeste, a vitória do PSDB dependia basicamente do tamanho da diferença tirada em São Paulo.

O ex-presidente Fernando Henrique chegou a tirar 5 milhões de votos em cima de Lula em 1998, o que certamente foi decisivo para que vencesse no primeiro turno por uma pequena margem.

O ex-governador Geraldo Alckmin, mesmo sendo derrotado, venceu em São Paulo com 3,8 milhões de votos de diferença, o que o fez vencer Lula na região Sudeste por uma diferença pequena, já que perdeu em Minas e no Rio de Janeiro e venceu por pequena margem no Espírito Santo.

O candidato José Serra, até o momento, não conseguiu tirar nem mesmo a vantagem mínima em São Paulo, ficando abaixo do histórico do seu partido.

Ele também começou a campanha vencendo em Minas, mas deixou escapar esse momento, e hoje Dilma já vence lá por diferença semelhante à que Lula ganhou em 2002 e 2006.

São Paulo, que é um estado “tucano”, terá que melhorar a performance a favor de Serra se o PSDB quiser ter a chance de ir para o segundo turno.

Já Minas Gerais, embora governada há oito anos por Aécio Neves, nunca pode ser considerado um estado “tucano”, pois o PT sempre foi forte por lá, e sobretudo Lula tem uma popularidade grande no estado.

Minas é um típico “campo de batalha” onde a eleição pode vir a ser decidida se o ex-governador Aécio Neves conseguir reverter o quadro que no momento é favorável ao candidato da coligação petista Hélio Costa e à candidata oficial Dilma Rousseff.

Não há dúvida de que, no momento, está mais fácil Dilma vencer no primeiro turno do que Serra conter sua queda e tentar reverter a situação no segundo turno.

Especialmente porque parece que ele vem perdendo votos diretamente para Dilma, o que faz com que não importe se a candidata Marina Silva mantenha os cerca de 10% de apoio.

Há, porém, questões que devem ser observadas diante da experiência que já temos em campanhas eleitorais e pesquisas.

Na eleição de 2006, o presidente Lula, tentando a reeleição, iniciou a campanha de rádio e televisão com 55% de votos válidos — mais, portanto, do que os 51% que Dilma tem hoje — e acabou com 48,61%.

É bem verdade que, para impedir que ganhasse no primeiro turno, como todas as pesquisas previam, houve o episódio dos “aloprados” comprando com uma montanha de dinheiro vivo um dossiê com supostas acusações contra o candidato José Serra, que disputava o governo de São Paulo.

É também importante frisar que, àquela altura, ainda com sequelas do mensalão, Lula tinha 55% de avaliação de “bom e ótimo” nas pesquisas, e hoje tem 77%. Mas, como não é ele que concorre, e sim uma sua “laranja eleitoral”, a transferência de votos ainda não é total, e possivelmente não será.

O resultado da pesquisa Ibope de ontem — Dilma com 51% e Serra, 38% dos votos válidos — é curiosamente quase a repetição do final do primeiro turno de 2006, se contarmos a margem de erro: Lula, 48,61% e Alckmin, 41,6%.

Em teoria, esta seria a posição já fixada do eleitorado, com a diferença importante a favor de Dilma de que ela chega a esses números em ascensão, enquanto Serra chega em queda.

Ao contrário, em 2006, quem caiu foi o presidente Lula, e Alckmin cresceu quase 20 pontos durante a campanha de rádio e televisão.

Por outro lado, não existe na nossa curta experiência de eleição presidencial com segundo turno exemplo de viradas: Collor e Lula foram para o segundo turno nas eleições que venceram à frente de seus adversários e mantiveram a dianteira.

Mas há exemplos regionais de viradas, o mais espetacular deles acontecido em Minas, quando o mesmo Hélio Costa deixou de ganhar a eleição no primeiro turno por uma diferença mínima e perdeu no segundo turno para Eduardo Azeredo, o que lhe valeu a fama de ser um “cavalo paraguaio”, que não aguenta a reta final e perde sempre a corrida.

Com a ajuda do presidente Lula, o candidato do PMDB quer exorcizar essa fama. Mas é ela, além da popularidade, que alimenta a esperança do ex-governador Aécio Neves de reverter o jogo.

Se houver segundo turno em Minas, e Alckmin vencer no primeiro turno em São Paulo, é possível que Serra tenha uma performance melhor num eventual segundo turno frente a frente com Dilma.

Mas, para isso, será preciso primeiro frear a subida da candidata oficial.

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