segunda-feira, agosto 16, 2010

LUCY VEREZA

O bacharel sem carteira
LUCY VEREZA
O GLOBO - 16/08/10

As numerosas e frequentes reprovações, de que se tem ciência, nos exames da Ordem dos Advogados do Brasil para o acesso à carreira jurídica retratam a situação em que se encontra o ensino de Direito no país.

Deficientes no domínio da técnica e do conteúdo jurídicos, acrescentando-se o uso desastroso da língua portuguesa, os recém-formados, provindos das faculdades de Direito, não apresentam, por suas limitações, capacidade para exercer as funções no campo de trabalho.

Há poucas décadas, atos surpreendentes praticados por novos advogados, desde erros na condução dos processos até a impossibilidade de fazer entender, por escrito e verbalmente, às autoridades judiciais, o motivo da lide que propuseram patrocinar, levaram muitos deles a cumprir sanções aplicadas pela Ordem dos Advogados do Brasil.

As restrições impostas pela Ordem dos Advogados do Brasil, cumprindo o seu objetivo de proteger e defender a prática jurídica em benefício da justiça social, desaguaram na adoção de um sistema seletivo rigoroso conferido aos novos bacharéis.

Avaliado o grau de competência e alcançada a aprovação, o bacharel faz jus à titularidade da Carteira de Advogado, passaporte para o exercício da profissão.

Configura-se uma situação educacional esdrúxula: as faculdades não atendem mais às exigências requeridas para a formação do bacharel em Direito. As informações recolhidas pelo estudante de Direito, ao longo do curso, representam uma indisfarçável escassez do conhecimento e da prática jurídica, tal prova a proliferação dos cursos de adestramento para os exames da Ordem dos Advogados do Brasil, cercados de variadas publicações de livros e de apostilas vendidas nas bancas de jornal.

A situação remete-me à lembrança um episódio do tempo em que lecionava na escola primária. Ao aconselhar um aluno que encapasse o caderno escolar, ouvi uma resposta ditada pelo ágil raciocínio infantil: “Então, vamos colocar uma capa e outra por cima desta, porque a de baixo pode estragar.” Penso que o exame da Ordem dos Advogados do Brasil é a segunda capa que cobre o ensino nas faculdades de Direito.

É de justiça assinalar que se excluem desta generalização as faculdades de Direito reconhecidas pela aptidão e idoneidade.

Na avaliação da aprendizagem promovida pelas faculdades de Direito, incidem fatores relevantes que estão aguardando a atenção dos interessados na proposta formativa dos novos profissionais. O primeiro desses fatores diz respeito aos que desejam ingressar na carreira de Direito.

Os pressupostos ao ingresso em uma faculdade de Direito estão se tornando cada vez mais inconsistentes e rarefeitos, facilitados pelos mecanismos atuais — nem sempre eficazes — de avaliação.

O inventário vestibular das qualidades do candidato não condiz, muitas vezes, com o nível do curso superior que o espera, onde a rotina didática requer o exercício constante da leitura, do raciocínio, da reflexão, sem aludir à formulação de conceitos e ideias. Não raro, os históricos escolares do candidato, vazios da aprendizagem dominante da leitura e da escrita, não o favorecem, ainda que transpostos nove anos letivos na escola fundamental e três no ensino médio.

Outro fator diz respeito ao corpo docente, o responsável pela dinamização do aprendizado e da interação com o grupo acadêmico.

O conhecimento jurídico seguro, o compromisso com a missão social que lhe incumbe, a utilização das estratégias didáticas, o interesse no aprendizado dos estudantes, obrigações conferidas ao professor, têm sido acompanhados e revistos? Da mesma forma, os conteúdos do programa de Direito, na diversidade das suas áreas e disciplinas, têm sido objeto de apreciação na correspondência do que é exigido para o exercício da profissão? O exame da Ordem dos Advogados do Brasil é uma iniciativa que visa a avaliar as lacunas e incorreções instaladas nos cursos jurídicos, ao encerramento destes.

Todavia, seria do maior brilho educacional que a Ordem dos Advogados do Brasil não só chamasse à seleção no término do curso, como vem operando, mas se determinasse a acompanhar e orientar paralelamente a evolução dos cursos jurídicos, passando pelos procedimentos de ingresso, execução docente e tratamento do conteúdo dos programas.

Será uma empresa completa de começo, meio e fim, que, seguramente, renderá bons frutos ao ensino jurídico no país.
LUCY VEREZA é professora de Direito na Faculdade Hélio Alonso, no Rio

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