segunda-feira, agosto 23, 2010

ELLIS WAYNE BROWN

Qualidade não vem por decreto
ELLIS WAYNE BROWN 
FOLHA DE SÃO PAULO - 23/08/10

O postulado da autonomia universitária, consentâneo com a iniciativa democrática, tem sido ignorado pela intervenção do governo 


Há quem reclame que é preciso tematizar mais sobre a educação superior no âmbito das políticas públicas, embora estes mesmos não o façam de forma sistêmica e continuem defendendo interesses fragmentados e corporativos.
O artigo 207 da Constituição Federal estabelece que "as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão".
O postulado legal da autonomia universitária, consentâneo com a liberdade de pensamento e de iniciativa democráticas, reguladas pela evolução da demanda socioeconômica, tem sido ignorado pela intervenção normativa do governo.
A Lei de Diretrizes e Bases estabelece, por exemplo, que a universidade deve ter pelo menos 1/3 de mestres e doutores, podendo os demais, portanto, ser especialistas.
Os reguladores, contudo, passaram a exigir que esta proporção seja mantida para cada curso e campus.
Na sequência, estabeleceram que os doutores tivessem peso 20 na avaliação institucional, e os mestres, apenas 5. A nota deste quesito na avaliação institucional agora depende também da relação do quadro da instituição com uma média regional, que ninguém conhece fora do MEC e que é inflacionada pelos quadros das universidades públicas, custeadas pelo contribuinte anônimo. Agora, preconizam 70% de mestres e doutores!
Independentemente do mérito, é interessante como os reguladores se mostram à vontade para progressivamente circundar os postulados da lei. Ademais, confundem também os meios com os fins e, dessa forma, desviam o foco dos resultados de fato alcançados pelas universidades em termos da qualificação dos egressos.
Caberia à universidade decidir e prover os meios para tanto, regulada pela demanda social que inclui a viabilidade de acesso da população, notadamente de menor renda, ao ensino superior.
Quem não se vê atingido diretamente e não enxerga os efeitos desse intervencionismo aceita tudo e ainda aplaude. Resta ver como reagirá na medida em que a regulação o atingir, assim como reage a própria imprensa diante da ameaça à sua autonomia. Embora possa também cometer erros, não se justifica por isso a anulação de sua liberdade editorial.
Não se trata, ainda, de negar o princípio e a validade da "indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão", mas, sim, de discutir a natureza, origem, proporção, custo, aplicação e produtividade dos recursos envolvidos em cada um destes componentes, à luz de sua efetiva agregação de valor em termos do desenvolvimento educacional e socioeconômico, considerando sempre como questão de fundo a acessibilidade da população.
Necessário, pois, é buscar, para além dos interesses corporativos, a melhor equação possível entre qualidade educacional, produção e socialização do conhecimento, democratização do acesso e desenvolvimento socioeconômico do país.
É com esta equação que deveria se preocupar a política educacional e seu aparato regulatório.


ELLIS WAYNE BROWN, formado em ciências sociais e mestre em comunicação social, é vice-reitor da Uniban Brasil. 


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