domingo, agosto 01, 2010

ELIO GASPARI

O livro eletrônico precisa custar menos
ELIO GASPARI
FOLHA DE SÃO PAULO - 01/08/10


Com a economia que faz ao comprar um e-book, o cidadão tem de comprar 241 obras para quitar a tabuleta



PRIMEIRO A BOA NOTÍCIA: chega nas próximas semanas ao mercado brasileiro a tabuleta leitora de livros Alfa, do Grupo Positivo. Ela se junta ao Cool-er, da editora Gato Sabido.
Na Amazon americana os e-books já superaram as vendas de volumes de capa dura, e a rede inglesa Waterstone está perto da casa dos 100 mil livros eletrônicos vendidos mensalmente. No Brasil, como a oferta de tabuletas é incipiente, as vendas não chegam a mil por mês. Mesmo assim, deram-se os primeiros e importantes passos para absorver essa nova modalidade de acesso à cultura.
Agora a má notícia, quase péssima. Os preços estão salgados. O Alpha custará em torno de R$ 750,00 (US$ 416), o preço do Cool-er. Um ano depois da disseminação das tabuletas americanas, a comparação é humilhante. O Kindle, da Amazon, baixou para US$ 139, e os demais ficam um pouco acima disso. O iPad da Apple, que lê livros, funciona como um laptop e só falta fazer café, custa a partir de US$ 499. O futuro desse mercado está nas mãos dos editores e livreiros, na diferença entre o preço da edição eletrônica e o da prateleira. O "Joaquim Nabuco Essencial", por exemplo, custa R$ 25,60 no papel e R$ 22,50 em bites.
Com os parcos R$ 3,10 economizados no Nabuco eletrônico, o cidadão terá que comprar 241 livros para quitar sua tabuleta. Admitindo-se que compre dois títulos por mês, serão dez anos.
Nos Estados Unidos, um cidadão compra uma tabuleta por cerca de US$ 150 e paga US$ 9,99 por um livro que custa US$ 15,37 no papel. Economiza US$ 5,38. Quita sua tabuleta na compra do 28º livro.
Nos dois casos deve-se levar em conta que as tabuletas dão acesso a milhares de obras gratuitas. Em inglês, passam do milhão; em português talvez não tenham chegado ao milhar. Como diria Olavo Bilac, esse é um problema da "última flor do Lácio (...) a um tempo, esplendor e sepultura".
No século 19 Pindorama foi o último país a acabar com a escravidão. No 20, um dos últimos a dar bônus de milhagem aos passageiros das companhias aéreas. No 21, poderia ser dos primeiros a disseminar o acesso a livros eletrônicos baratos. Até porque os donos de escravaria e as empresas que não bonificaram a patuleia foram à garra.

EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e desde o primeiro momento defendeu a invasão do Iraque. Fez discursos, escreveu artigos e chegou a trabalhar na lanchonete da empreiteira Blackwater na Zona Verde de Bagdá. Moveu-se pela paixão e pela própria cretinice.
O paspalho deprimiu-se ao saber que o general americano James Mattis, o conquistador de Faluja, escolhido pelo companheiro Obama para o Comando Central das tropas americanas no mundo, disse que invadir o Iraque "foi a coisa mais idiota que nós fizemos".
(Sua, frase, no contexto, foi a seguinte: "Americanos patriotas, sinceros, intelectualmente vigorosos e honestos acham que irmos para o Iraque foi a coisa mais idiota que nós fizemos. Eu concordo inteiramente. Contudo, os militares americanos devem obediência ao seu comandante-em-chefe".)
Eremildo conforta-se lembrando que não deve obediência ao presidente dos Estados Unidos. É apenas um idiota.

BICO RACHADO
É dura a vida do tucanato. Em Minas Gerais há o voto Dilmasia. Em São Paulo, o Dilmin, publicamente apoiado por 42 prefeitos do PSDB, do DEM e do PPS. No Tocantins, um pedaço da base do tucano Siqueira Campos trabalha pela candidata do PT. Em Pernambuco, 17 dos 20 prefeitos tucanos abandonaram a campanha de Jarbas Vasconcelos, preferindo a reeleição de Eduardo Campos que, por sua vez, trabalha por Dilma Rousseff.

SUMIÇO
O chanceler Celso Amorim sumiu. O desembaraço de Nosso Guia (expressão criada por ele) calou-o.

SAIU "FORDLÂNDIA", UM GRANDE LIVRO

Está nas livrarias "Fordlândia - Ascensão e queda da cidade esquecida de Henry Ford na selva". É uma grande obra. Conta a fantástica história da construção e ruína de um centro agroindustrial na Amazônia. Além disso, ensina como Ford, o maior empresário de seu tempo, meteu-se numa aventura que iludiu não só a ele, mas também o governo brasileiro e a opinião pública mundial. Greg Grandin, professor de história da Universidade de Nova York, ralou na pesquisa cruzando a Amazônia e os arquivos da Ford. Recontou o passado sem recorrer a muletas teorizantes.
Em 1927, Ford planejou plantar 2 milhões de seringueiras numa área de 10 mil km2 (um Líbano), com a mão de obra de 5.000 trabalhadores. Patrocinou uma das maiores queimadas de todos os tempos, ergueu um hospital-modelo e escolas. Seria um paraíso, livre das coisas que detestava: Wall Street, sindicatos, judeus e leite de vaca. Com a borracha do Pará ele controlaria o mercado mundial de pneus. O perfil que Grandin traça desse "Jesus Cristo da indústria" (palavras de Monteiro Lobato) é um primor. Se disso resulta que o Messias tinha muito de doido, o problema não é do professor. Ele mostra Fordlândia como uma pororoca da presunção dos bem-sucedidos no encontro com um mundo que não entendiam nem respeitavam.
Buscando uma terra sem leis ou bolcheviques, Ford foi encantado pela floresta. "Fordlândia" tem de tudo: campo de golfe, piscinas, quadras de tênis, governador paraense doando sesmarias e plutocrata paulista vendendo terras da Viúva.
O investimento de dezenas de milhões de dólares seria custeado pela borracha, pela madeira e pelos minerais extraídos da concessão. Deu tudo errado. As árvores foram devastadas por pragas, a serraria deu prejuízo, e os trabalhadores se rebelaram. Seriam os bolcheviques. A polícia dispersou milhares de caboclos, espalhando miséria, fome e doenças.
A Depressão e um derrame cerebral abateram o magnata e em 1945 a experiência acabou. Os americanos foram embora, vendendo o negócio ao governo por 1% do seu valor, para pagar dívidas trabalhistas cobradas por Getúlio Vargas.
O que torna estimulante a obra de Grandin é a sua capacidade de permitir que se reconheçam no passado nuvens que estão sob o céu da floresta até hoje. Afinal, Ford não era idiota nem essencialmente mau. Basta ouvi-lo: "O que o povo do interior do Brasil precisa é de estabilidade na sua vida econômica, com o seu trabalho remunerado de maneira justa, em dinheiro". Em alguns lugares da Amazônia, muita gente já morreu por menos.
(Desde o ano passado pode-se comprar a edição eletrônica de "Fordlândia", em inglês, por US$ 9,99. A edição brasileira, só em papel, custa R$ 56.)

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