segunda-feira, agosto 23, 2010

CARLOS ALBERTO SARDENBERG

Pagamos mais caro. E agora?

Carlos Alberto Sardenberg
O Estado de S. Paulo - 23/08/2010
 

 A globalização contemporânea apresenta esta vantagem: amplia a capacidade do consumidor de comparar preços. Os computadores, jogos eletrônicos, celulares, roupas, tênis, perfumes, etc. são os mesmos pelos shoppings mundo afora. Aliás, os shoppings são iguais. Viagens internacionais mais frequentes e baratas e, sobretudo, a internet completam o quadro. Dá para saber o preço de um carro em qualquer país.
O consumidor brasileiro está ligado nisso e já toma consciência de como os mesmos produtos são muito caros por aqui. O artigo da semana passada, mais a reportagem e o comentário no Jornal da Globo de quinta-feira (19/8) trouxeram ampla variedade de e-mails e relatos de experiências diversas. 
Eis alguns exemplos:
Luiz Brandão chama a atenção para os remédios. Conta que um medicamento produzido pela AstraZeneca, chamado Nexium esomeprazol, custa na Argentina a metade do preço praticado no Brasil.
André Blau, de São Paulo, contou: "Minha esposa me comprou de presente um pulôver sem mangas, pelo qual ela pagou R$ 240. A peça não passou na primeira lavagem. Saiu com aparência feia e cheia de bolinhas. Aí, entrei na internet e comprei da Inglaterra malhas feitas de Cashmere misturada com lã merinos. Paguei cerca de R$ 60, inclusive com despacho. Paga-se com cartão de crédito. Na alfândega brasileira, passa sem pagar imposto todo pacote que tem até três ou quatro malhas."

Antonio Carlos Reis, de Piracicaba, contou sobre a diferença de preços entre uma mesma pick-up aqui e em Buenos Aires. E pergunta: "Minha mulher e eu podemos, num fim de semana, voar para Buenos Aires para um passeio romântico e de lá voltar na desejada pick-up? Pelo que sei sobre comércio exterior na esfera do Mercosul, não há imposto de importação."

Edson Pinto, que ajudou um filho a montar uma loja em shopping, conta dos custos elevadíssimos para fazer negócios no Brasil. São custos públicos, digamos assim, como os impostos e as infinitas taxas. Lá pelas tantas, relata, "entra o Ecad e exige o pagamento de taxas pela música que o caixa ouve no computador da loja; a prefeitura exige que a vitrine tenha faixas para evitar que os clientes desatentos batam a cabeça no vidro; o Procon passa e multa porque um determinado produto entre dezenas na vitrine não traz o preço". E há custos privados, ou seja, aqueles cobrados pelos administradores dos shoppings. Tudo somado, diz nosso leitor, o empresário tende a colocar margens brutas muito elevadas, que lhe parecem a melhor saída para enfrentar os custos atuais e possíveis no futuro. Resultado: "Vira um jogo de malandragem necessária em que a lei da oferta e da procura clássica só se sustenta a curto prazo. Claro que poucos comprarão. Talvez se venda em quantidade suficiente para ganhar algum. Se não, parte-se para outro produto e a roda-viva continua até que o pequeno comércio, sonhado pelos jovens que acreditam inocentemente no País, vá se incorporar à estatística tenebrosa da mortalidade precoce de novos negócios no Brasil."

Tudo considerado, há cinco classes de problemas:

Impostos: não a há a menor dúvida, a carga tributária impõe custos elevados ao consumidor. O caso dos remédios é dramático: num medicamento de R$ 10 o governo pega R$ 3,50, mesmo para produtos de uso contínuo. Em produtos eletrônicos a carga pode chegar à metade do preço final.

O custo de fazer negócios no Brasil: uma pesquisa nacional da Firjan mostra que a abertura de uma empresa exige de seis a oito etapas burocráticas, pagamento de 12 a 16 taxas, tudo com 43 documentos (alvarás, licenças, etc.). Abrir uma empresa pequena no Rio, no ramo da alimentação, sai por mais de R$ 5 mil. Há Estados em que os bombeiros cobram R$ 2.500 para darem um alvará. Em Santa Catarina, a OAB local tabelou em R$ 2.681 o trabalho do advogado de assinar o contrato de abertura de empresa, em geral um contrato-padrão. Um estudo da Fiesp calcula que as empresas brasileiras gastam anualmente cerca de R$ 45 bilhões com a burocracia. Uma enormidade, equivalem a 1,5% do PIB. Incluem-se aqui custos trabalhistas e o dinheiro e a energia aplicados pelas empresas nas relações com o Fisco.

Custo da infraestrutura: fretes elevados e demorados, taxas e tempo perdido nos aeroportos, portos, etc.

Ineficiências: o trabalhador brasileiro, com educação comprometida, produz menos e absorve de maneira limitada as novas tecnologias.

Margens elevadas: ou porque o mercado é protegido ou porque, como diz Edson Pinto, é a defesa que o empresário, especialmente o menor, encontra para se manter à tona.

Soluções? Obviamente, é preciso reduzir a carga tributária. Não é simples, porém. O governo arrecada muito porque gasta muito. Logo, sem uma redução do gasto público, sem uma limitação no tamanho do Estado, não haverá como diminuir impostos.

Mas é possível adotar desde já algumas medidas emergenciais, como retirar a carga de produtos essenciais, como medicamentos.

Outras soluções foram indicadas pelos leitores: abertura dos mercados. Se, por exemplo, fosse possível ir a Buenos Aires, comprar o carro e trazê-lo para cá, essa competição pressionaria os preços brasileiros. (O leitor Reis pode passear na Argentina, mas não conseguirá comprar a pick-up nem circular com ela por aqui.)

André Blau conseguiu uma boa saída via internet. Há muitos sites confiáveis, mas isso é limitado a compras pequenas. E nem é bom falar muito, porque daqui a pouco vão tentar cortar essa onda.

Facilidades maiores nas compras de quem vem do exterior são limitadíssimas. E injustas. Beneficiam a parte da população que tem dinheiro para viajar. Impostos menores e abertura às importações beneficiariam a todos.

Reduzir burocracias e o custo de fazer negócios no País é muito possível. São mudanças no nível microeconômico, que podem ser feitas por prefeituras, por exemplo. Infelizmente, não temos visto esses temas na campanha eleitoral. Mas a consciência dos consumidores é cada vez maior. Um bom começo.

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