segunda-feira, agosto 02, 2010

ANDRÉ BOJIKIAN CALIXTRE

Civilizar a globalização financeira
ANDRÉ BOJIKIAN CALIXTRE 
FOLHA DE SÃO PAULO - 02/08/10

Em transações cambiais, a liquidação de contratos está concentrada, facilitando a arrecadação e reduzindo qualquer risco de assimetrias


Nas últimas décadas, os Estados permitiram que os mercados financeiros operassem à revelia de suas soberanias, com pouca ou quase nenhuma regulação e tributação.
A importância, no entanto, que os fluxos financeiros assumiram para a economia real e as experiências disruptivas da crise tornaram urgente retomar, pelos Estados, as "rédeas" sobre o notável mecanismo de geração de riqueza financeira e redirecioná-lo para desenvolvimento socioeconômico dos povos.
Na reunião do G20 financeiro em Toronto, delegou-se para cada país equacionar a tributação sobre a gigantesca (mais de US$ 10 trilhões) movimentação diária de riqueza financeira.
Um imposto sobre transações financeiras para o desenvolvimento, idealizado por James Tobin, é atualmente compreendido como a aplicação de alíquota dual que bloqueie os movimentos puramente especulativos, sem impedir fluxos "benéficos" de capital financeiro.
A controvérsia é que esse imposto esbarraria nos problemas: inexistência de autoridade única que permitisse o imposto global; riscos de assimetria na arrecadação e de desintermediação; e aumento dos custos de financiamento, que prejudicaria países absorvedores de capital externo, como o Brasil.
A correta incidência do imposto é fundamental para equacionar esses problemas. Sobre isso, o Relatório Final do Grupo de Peritos sobre Taxação de Fluxos Financeiros, formado por iniciativa do Brasil e de mais 11 países, propõe um imposto sobre as transações cambiais.
Nelas, a liquidação de contratos está concentrada, facilitando a arrecadação e reduzindo riscos de assimetrias e de desintermediação do segundo problema. A liquidação desses títulos, por tratar de moedas nacionais, passa necessariamente pelo controle das soberanias, pois, pode ser aplicado sem a existência de uma autoridade tributária global, resolvendo o primeiro problema.
E, sobre o último problema, estimativas de membros do Grupo de Peritos apontam que não haveria aumentos significativos dos custos de financiamento caso fosse aplicada uma alíquota mínima (de 0,005%) em fluxos "saudáveis".
Como os volumes são muito elevados, poder-se-ia arrecadar montantes superiores a US$ 33 bilhões anuais, destinados ao desenvolvimento econômico e social de países pobres.
O Brasil possui condições adequadas à arrecadação desse imposto, ainda que não participe do sistema global de liquidação de moedas. Mais de 80% da liquidação das trocas de moedas (real/dólar) está concentrada na câmara de câmbio da BM&FBovespa, compensada pelo sistema de transferência de reservas, controlado pelo Banco Central e lócus possível para o imposto.
Estima-se que a arrecadação nacional, mesmo pequena, ampliaria substancialmente a capacidade de cooperação internacional brasileira. Sem encarecer o financiamento externo, daria mais um exemplo da liderança brasileira para uma globalização com desenvolvimento.


ANDRÉ BOJIKIAN CALIXTRE é técnico em planejamento e pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). 

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