segunda-feira, julho 19, 2010

NELSON RIBEIRO ALVES FILHO

Novo conto do vigário
NELSON RIBEIRO ALVES FILHO
O GLOBO - 19/07/10

Centenas de milhares de cidadãos de todo o país buscaram a Justiça para terem seus direitos reconhecidos, porque os poderes públicos os estavam negando.

Após anos infindáveis — muitas vezes mais de 10 — ganharam as ações e os valores que lhes são devidos foram colocados em precatórios (cópia parcial dos processos com o valor devido), que deveriam ser pagos até o ano seguinte ao da expedição de cada um.

Anos se passaram e as dívidas não foram pagas, ou porque os valores devidos não foram colocados nos orçamentos, ou porque o foram e o 
Judiciário não exigiu dos Poderes Executivos que os liberassem para os pagamentos.

O Congresso aprovou emenda constitucional permitindo que os precatórios derivados de desapropriações fossem pagos em 10 anos. Levado o assunto ao 
Supremo Tribunal Federal, porque a emenda é inconstitucional, até hoje não houve decisão... e os 10 anos já acabaram.

Agora, pela Emenda Constitucional 62/09, os precatórios alimentícios (aqueles tirados de ações relativas a salários, pensões e outras indenizações), serão pagos em até 15 anos, se os titulares dos créditos não derem “descontos” para receber...

Novamente acionado o Supremo Tribunal, em razão do absurdo, da imoralidade e da inconstitucionalidade da Emenda (ADIN 4357 apresentada pela 
OAB, associações de juízes e doMinistério Público, entre outras), nada foi feito até agora, e nada será feito outra vez, prejudicando as centenas de velhos e doentes, que ficarão até 15 anos sem o que lhes é devido para comprar comida e remédios, se permanecerem vivos...

Conselho Nacional de Justiça, criado para corrigir os erros e os errados do Judiciário, “regulamentou” a emenda, quando deveria dizer ao Supremo Tribunal que não é possível retardar por uma hora sequer a solução do problema, porque negar pagamento ao que o Judiciário já decidiu, ou permitir que se retardem os pagamentos por mais 15 anos, é o mesmo que negar o princípio básico da cidadania — que é o respeito completo aos direitos dos cidadãos — do qual oJudiciário é o guardião, mas deixará de sê-lo, se for desmoralizado, como está sendo há décadas, sem reagir à altura.

As entidades já reagiram contra a Emenda 62/09, devendo os cidadãos, imediatamente, através de manifestações públicas e maciças dirigidas ao Supremo Tribunal e ao 
Conselho Nacional de Justiça, protestar contra este novo conto do vigário.

Se não se modificar a situação atual, não haverá mais Justiça, muito menos Poder 
Judiciário.

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