sábado, julho 17, 2010

MERVAL PEREIRA

O horário do expediente
Merval Pereira
O GLOBO - 17/07/10

O ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, já havia anunciado que faria campanha para a candidata oficial, Dilma Rousseff, na hora do almoço, que, segundo ele, “é hora da militância”.

Como se deixasse de ser uma autoridade durante as refeições. Agora, é o presidente da República que programa comícios a favor de sua predileta “após o horário do expediente”. Como se presidente tivesse expediente de funcionário público.

Após o comício de ontem no Rio, Lula estará ao lado de Dilma em Recife (23/7), Curitiba (30 ou 31/7), Belo Horizonte (6 ou 7/8) e, por fim, em São Paulo (13 ou 14/8), sempre “depois do expediente”, que ficou convencionado que expira diariamente às 18h.

Ficamos sabendo agora que quem usa, após as 18h, o Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente da República, é um usurpador, pois o presidente de verdade deve estar em outro lugar com sua família, pois só tem direito a usar a residência oficial quando está cumprindo o expediente do emprego público para o qual foi eleito.

Deve ser esse, então, o papel do vice-presidente da República, José Alencar. É ele quem assume a Presidência “fora do expediente”, e nunca ninguém notou essa sutileza tão brasileira quanto a jabuticaba.

E pensar que há muitas pessoas que consideram uma inutilidade a figura do vice-presidente nesses tempos modernos, em que o presidente pode estar à frente dos assuntos do país em qualquer lugar do mundo em que esteja.

Esse hábito tão brasileiro de passar o governo para o vice quando o titular viaja ao exterior, como se não fosse possível assinar documentos, dar ordens e acompanhar qualquer assunto de qualquer lugar do mundo, até mesmo de dentro do Aerolula em pleno voo.

Mas está explicado, o presidente da República na versão do lulismo tem hora de entrada e de saída, e também de almoço, está livre das obrigações do cargo depois das 18h e até as 9h do dia seguinte, e entre as refeições.

É por isso também que o presidente Lula anunciou outro dia que pode aparecer em portas de fábricas a qualquer momento, em cima de um caminhão, para relembrar os velhos tempos de líder operário, fazendo comício para Dilma Rousseff. Ou distribuindo “santinhos” de sua candidata para os operários que chegam para o batente.

Também o governador Sérgio Cabral aderiu à prática, como se um governador que concorre à reeleição sem necessidade de se desincompatibilizar do cargo precisasse dessas sutilezas para separar sua campanha dos atos de governo.

Seria risível se não fosse trágico para a democracia brasileira, e é preciso que rapidamente o
Tribunal Superior Eleitoral regulamente a atuação dos governantes nas eleições, especialmente a do presidente da República, para que o país não viva essa situação esdrúxula de ter durante três ou quatro meses um presidente que bate ponto como um burocrata qualquer, fingindo estar cumprindo a lei.

O presidente que criticou ontem os burocratas que “não tiram a bunda da cadeira”, abusando de um linguajar popularesco e chulo, está agindo como o mais burocrata dos servidores públicos, embora “tire a bunda da cadeira” com muita frequência para viajar pelo país para sustentar a candidatura de sua escolha pessoal.

Embora tenha dito que Dilma já poderia caminhar por suas próprias pernas, o presidente parece na prática preocupado com a atuação de sua pupila, ainda mais agora que ela revela não estar suportando a árdua campanha presidencial.

A utilização do “Dilmamóvel” para que ela não se canse nas caminhadas políticas é um ponto de inflexão nessa campanha.

Demonstra no mínimo que o que se temia está acontecendo: Dilma, que nunca se candidatou a nenhum mandato eletivo, não tem condições físicas para aguentar uma campanha longa e exigente como a que está disputando.

O envolvimento do presidente Lula na campanha, de maneira tão empenhada que nenhuma legislação o impede de atuar, está provocando a reação não apenas do candidato José Serra, do PSDB, que se encontra empatado com a candidata oficial na liderança da corrida presidencial, mas também da candidata do Partido Verde, Marina Silva, que tem tido o maior cuidado quando se refere a Lula, seu companheiro de Partido dos Trabalhadores durante 30 anos.

Também ela mostra-se preocupada com a interferência do presidente, a quem chamou de “general eleitoral”.

“Por mais relevantes que sejam os generais eleitorais, o principal protagonista desse processo se chama sociedade brasileira”, disse Marina em uma entrevista em Goiânia.

Para ela, “é altamente gratificante ver que as pessoas estão (...) mostrando que não basta escolher um candidato e dizer para o povo: ‘vote neste’.

O povo tem o direito de escolher aquele com quem se identifica com as propostas, com as trajetórias, com o compromisso”.

À medida que o presidente Lula se envolve cada vez mais na campanha, desequilibrando a disputa eleitoral com a força da máquina pública de seu governo, além de sua popularidade pessoal, mais os candidatos prejudicados chamam a atenção dos eleitores para o fato de que Dilma Rousseff não consegue andar por suas próprias pernas, e precisa de Lula como muleta.

Por incrível que pareça, em 19 de junho o governo de Cuba foi eleito para a vicepresidência do Conselho de Defesa dos Direitos Humanos da ONU. A vice-presidência é exercida por Rodolfo Reyes Rodríguez, e sua eleição ocorreu por maioria de votos, com o apoio, evidentemente, do Brasil.

O Conselho é o mais novo órgão das Nações Unidas e foi criado em 2006, com o objetivo de defender a Declaração Universal dos Direitos Humanos, “responsabilidade de todos os Estados sem nenhuma distinção de opinião, de política, de sexo, raça ou cor”.

Depois, ainda reclamam do presidente Lula.

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