segunda-feira, julho 05, 2010

MARCO ANTONIO ROCHA



A borrasca está vindo, mas a festa está bem boa

MARCO ANTONIO ROCHA

O ESTADO DE SÃO PAULO - 05/07/10


O presidente Lula assinou um artigo para o jornal Financial Times (FT), publicado na semana passada, com o título A Nation"s Destiny.
Na abertura do artigo ele diz "I have great reason to be proud of the achievements of my government". É o que basta para perceber que um dos próximos achievements do seu governo bem que poderia ser a troca de quem escreve para ele em inglês. No resto do artigo ele trombeteia sobre como reconstruiu um país que estava destruído e sobre como está construindo agora o futuro de um país que não tinha futuro.
Como o maior marqueteiro de si próprio que o País já viu, não há por que recriminá-lo. Já dizia o sábio Abelardo Barbosa, também conhecido por Chacrinha, que "quem não se comunica, se trumbica..."
E Lula até hoje não se trumbicou nem por excesso de comunicação. Todavia, sua clarinada topa com alguns abafadores no mesmo jornal, na mesma edição. Um dos artigos, de John Paul Rathbone, traz o título A boa sorte ajuda a fortalecer a economia do Brasil. Ou seja, não foi o ferrabrás de Caetés que levou, sozinho, o velho Brasil a novos tempos, alegadamente melhores (nas estatísticas).
Logo o articulista aponta aquilo que o governo se empenha em obscurecer: "Graças às políticas anti-inflacionárias do ex-presidente FHC, continuadas por Lula, a hiperinflação que arruinava o País nos anos 80 é um pesadelo de que ninguém se lembra. As exportações quintuplicaram em valor nos últimos 20 anos. E a dívida externa caiu para apenas 4% do PIB."
"O líder sindical que antes gritava "fora FMI" se tornou o presidente que pagou as dívidas do Brasil com essa instituição, e acabou emprestando a ela US$ 14 bilhões", alardeou Lula no seu artigo, omitindo os desgastantes esforços anteriores para negociar a acachapante dívida externa, dos quais ele foi o beneficiário, pois quando assumiu ela já era um problema equacionado.
Também, como diz o articulista do FT, muito do recente sucesso financeiro e econômico brasileiro resulta das políticas (atuais), "mas uma boa parte é também devida à pura e simples boa sorte". E explica que os bancos brasileiros, "escaldados por passadas crises", fizeram a maior parte das suas aplicações internamente, "ao invés de se aventurarem pelo mundo". Evitaram, desse modo, a armadilha do subprime. Ao mesmo tempo, a fome da Ásia por commodities manteve em alta os preços e as exportações do Brasil, enquanto os juros próximos de zero nos EUA ajudaram "a inundar o País com dinheiro barato".
Bem, essa boa sorte não estará à disposição do próximo governante brasileiro.
"A nova Grande Depressão está vindo. Garantido", diz Andrew R. Sorkin, do The New York Times, ecoando o Prêmio Nobel de Economia Paul Krugman, no mesmo jornal, para quem estamos no começo da "terceira recessão". A de 2008-2009 (a "marolinha" de Lula) teria sido apenas um aperitivo. A terceira, de que fala Krugman, será comparável às de 1873 e de 1929, verdadeiras hecatombes. E Sorkin o reforça, enumerando a sequência de meltdowns dos mercados modernos nos últimos 20 anos.
Na reunião do G-20 em Toronto, há alguns dias, deu-se preferência a políticas de ajuste para combater o desastre que se prevê, e que já estão sendo adotadas pelos países da Europa. Essas políticas se traduzem em geral por queda do consumo das famílias, dos salários e do emprego ? por retração generalizada. Ruim para as exportações e para a captação de recursos internacionais, dos quais precisamos.
Krugman e outros dizem que não é hora de ajuste, e sim de aumentar os gastos públicos para impulsionar a demanda. Mas os governos dos países ricos já gastaram "uma baba" ? como diz o povo ? para salvar da falência seus sistemas financeiros. E a demanda... nada!
Essa divergência mostra que ninguém tem uma boa receita para evitar o que está previsto. Mas não há divergência sobre o que está previsto: borrasca brava. Os "fundamentos" das economias de quase todos os países estão se deteriorando, criando uma perspectiva indigesta.
Repetindo Rathbone, o Brasil beneficiou-se muito de uma boa conjuntura: commodities em alta, juros internacionais em baixa. Bonança sem precedentes, frisou um relatório do Fundo Monetário Internacional. Porém, a equação está se invertendo com as medidas de autodefesa que os grandes países adotam. Menos um deles: o Brasil!
Aqui os fundamentos também não estão no bom caminho. Alguns já estão no mau caminho: a conta de transações correntes; o saldo comercial; a inflação; o déficit público;as taxas de juros. As "bondades" do Congresso e do presidente, com o salário mínimo; as aposentadorias; o Bolsa-Família; o Minha Casa, Minha Vida; e os proventos do funcionalismo ainda não tiveram tempo de fazer estragos nas contas públicas e na inflação, mas o tal do mercado ? cuja mão não é nada invisível ? mostra, pelo termômetro dos "futures", que aposta mais na dificuldade do ano que vem do que na alegria de agora.
Isso tudo não inquieta nem um pouco nosso peripatético presidente, é problema de quem pegar o bastão.

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