domingo, julho 04, 2010

ELIO GASPARI

Serra precisa reinstalar o sistema 
ELIO GASPARI
FOLHA DE SÃO PAULO - 04/07/10

José Serra está na situação do sujeito que digita um texto em Times New Roman e ele aparece na fonte Arial. (Numa entrevista, indagado pela jornalista Míriam Leitão sobre a autonomia do Banco Central, destratou-a.) Depois, o cidadão decide salvar uma planilha e ela some. (Forma uma chapa puro-sangue com um vice que noutra encarnação foi expulso do PSDB.) Finalmente, no meio de uma palestra com PowerPoint, suas tabelas travam. (Diante da insurreição do DEM, fecha a chapa com um candidato com quem nunca conversou por mais de cinco minutos.) 

O freguês do computador achou que o problema estava no programa Word (Jornalistas perguntando o que não devem). Depois, a suspeita migrou para o Excel. (O PSDB é muito volúvel). Finalmente, o culpado é o PowerPoint (É preciso reformular a estrutura da campanha). 

Se os problemas fossem esses, seriam pequenos, mas levando-se as queixas a quem sabe mexer com as máquinas, a resposta é dura: na melhor das hipóteses, é o seu sistema operacional quem está corrompido. O bug não está nos diversos programas que acompanham a candidatura, mas na sua essência. É preciso reinstalar o sistema. Na pior das hipóteses, a encrenca não está no software, mas na própria máquina. Por ser a alternativa catastrófica, letal, convém desprezá-la. 

Problemas na escolha dos vices são mais comuns do que resfriados. Geraldo Alckmin jogou ao mar Henrique Alves; Fernando Henrique Cardoso sacrificou Guilherme Palmeira. Tancredo Neves, reunido com o senador Pedro Simon numa suíte do Hotel Nacional, ouviu um veto desprimoroso a José Sarney, que se retirou da sala, tomou o avião e foi para o Rio. Tancredo disse a Simon que o vice de seu projeto era Sarney e acabou com a divergência. Quando o ministro do Exército, general Lyra Tavares, disse ao general Médici que o almirante Rademaker não podia ser seu vice, o então comandante da guarnição do Sul pegou o quepe e voltou para Porto Alegre, onde foram buscá-lo, com Rademaker na vice. 

Serra detonou a proposta de prévias de Aécio Neves, que poderia expor o PSDB a uma saudável exposição de contraditórios. Fez isso insistindo em postergar o lançamento de sua candidatura. Há um ano, quando a nação petista começou a mover a candidatura de Dilma Rousseff, o governador de São Paulo estava 30 pontos à frente da chefe da Casa Civil. Assumindo a candidatura, acreditou demais na possibilidade de atrair Aécio Neves e cultivou a ideia de dispensar o DEM. Serra temia, e continua temendo, a exibição dos vídeos do ex-democrata José Roberto Arruda e de sua quadrilha embolsando dinheiro em malas, bolsas e meias. 

Há um mês, Serra poderia escolher o vice que bem entendesse. Não queria buscá-lo no DEM, mas não disse isso a ninguém. Fez uma escolha oportunista, calculou mal o equilíbrio da política paranaense e acordou na quarta-feira sem plano B, C ou Z. Aceitou um companheiro de chapa produzido muito mais pela marquetagem do que pelos Maia do Rio de Janeiro. Todas as decisões e indecisões saíram do seu sistema operacional e deu no que deu. 

Há três meses, Serra lembrou que “a boa equipe necessita de um norte claro, sempre claro, de quem está no comando” e lançou-se na campanha presidencial dizendo que “o Brasil pode mais”. Depois disso, o Times Roman virou Arial, a planilha sumiu e o PowerPoint travou. Como a campanha mal começou, poderá reinstalar o sistema. 

Trem de campanha 
Vai mal a licitação do trem-bala. O projeto que vem sendo cozinhado no BNDES prevê uma garantia da demanda nos primeiros dez anos de operação da linha.

Se o trem tiver passageiros, o concessionário lucra. Se não tiver, o velho e bom BNDES mexe nos prazos de financiamento de forma a consertar a caixa dos felizardos. 

Pelo menos um dos interessados do projeto diz para quem quiser ouvir que não precisa de garantia de demanda, desde que lhe seja dada liberdade tarifária abaixo e acima do bilhete básico. Por enquanto, essa tarifa está em R$ 199 para o trecho Rio-São Paulo. 

O governo de Nosso Guia talvez seja o único da História dos regimes democráticos que pretende abrir uma licitação de R$ 34 bilhões para bater o martelo no contrato em fim de mandato. Como se sabe, este é um período de alta demanda filantrópica. 

Com garantia de demanda, Eremildo, o Idiota, oferece a Dilma Rousseff uma ponte aérea para a Lua.

Queixa 
Lula está convencido de que a diplomacia americana puxou-lhe o tapete no caso da negociação do acordo do urânio iraniano. Não conta tudo o que sabe para não botar lenha na fogueira. 

É possível, como também é possível que seu comissariado lhe tenha vendido gato por lebre. 

Jogo bruto 
A Petrobras precisa formar uma tropa de elite nacionalista e feroz. 

Aqui e ali ela já percebeu movimentos de seus concorrentes para satanizá-la, sobretudo no paraíso lobista de Washington. 

Quem quiser cortar as asas dos sabiás brasileiros pelo mundo afora não pode esperar por bons negócios na terra das palmeiras. 

Dilma produz um número a cada minuto 
Para tristeza do tucanato, o desempenho do sistema Lula 8+4 está correspondendo às expectativas da nação petista. Dilma Rousseff preparou-se para mostrar conhecimento administrativo e, na entrevista que concedeu ao programa “Roda Viva”, mostrou que tem o que dizer. Infelizmente, caiu no engano daquelas pessoas que tentam fazer coisas demais no Excel, obsessivamente preocupadas com números. 

Em 80 minutos de entrevista, ela despejou 67 números (entre os quais 11 cifras e 17 percentagens). Desprezaram-se as datas e a previsão do resultado do jogo contra a Holanda (2 x 0, caminhando para 3 x 0). 

Dilma aproximou-se da perigosa marca de um número por minuto. Se daqui até outubro ela encostar no padrão do companheiro Obama (um número a cada dois minutos, no máximo), a nação, penhorada, agradecerá. Em setembro do ano passado, num discurso de 52 minutos ao Congresso, tratando de um assunto cabeludo, que atraía argumentos estatísticos, ele defendeu seu projeto de reforma do sistema de saúde com 27 números (entre eles sete cifras e nove percentagens). 

O recurso à retórica matemática indica uma busca da precisão, mas, às vezes, reflete insegurança em relação à ideia que acompanha a numerologia. Em outros casos, é pedantismo mesmo. 

(Numa resposta “rapidinha”, interrompida por uma breve observação, Dilma Rousseff consumiu cinco minutos. Madame Natasha pede um registro. Em duas ocasiões, falou em latim: “ad nauseam” e “ex ante”). 

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