domingo, julho 18, 2010

EDITORIAL - O ESTADO DE SÃO PAULO

De Brasília para o mundo
EDITORIAL
O Estado de S.Paulo - 18/07/10

Nosso presidente dá cada vez mais sinais de que a perspectiva de apear do poder dentro de seis meses o deixa angustiado. Ele já declarou várias vezes que não pretende "aposentar-se", mas sim transferir sua liderança do plano nacional para o plano mundial.

É o que começa a ensaiar desde já. Fala em tom professoral sobre assuntos variados e formula julgamentos sem apelação. Segundo disse ele na quinta-feira, os americanos ainda não haviam contido o vazamento de óleo no Golfo do México por incompetência. A declaração foi feita a uma rádio, antes da visita a uma plataforma da Petrobrás. No dia anterior, sua crítica havia fulminado não os incompetentes de Washington, mas os despreparados da Europa, incapazes de cuidar da economia. Sua sentença foi proferida depois de uma exposição do presidente do Conselho Europeu, Herman van Rompuy, sobre medidas para estabilização econômica. Depois de ter consentido em escutá-lo, cobrou ações para evitar uma desaceleração econômica na Europa e deu lições sobre como a crise foi enfrentada no Brasil.

"Preferimos confiar em políticas anticíclicas", disse Lula, como se os governos europeus não houvessem aplicado políticas desse tipo em escala muito maior, com enormes custos fiscais. Na maior parte da União Europeia, os estímulos vão sendo retirados gradualmente, enquanto os governos iniciam o trabalho de ajuste ? mais severo em alguns países por causa da situação mais precária de suas contas. Tudo isso já foi discutido e publicado, mas o presidente brasileiro não perderia a chance de iluminar o mundo. Ele também mencionou a regulação bancária brasileira, mais estrita que a adotada na Europa e nos Estados Unidos. Tem razão quando valoriza o sistema brasileiro. Mas essa maior disciplina foi implantada no Brasil depois da crise bancária dos anos 90, quando foi necessário, como primeira medida, socorrer parte dos bancos para evitar uma quebradeira.

Para isso foi criado o Proer, apontado pelo presidente Lula, na pior fase da atual crise internacional, como exemplo para os americanos. Mas o Proer foi ferozmente atacado pelo PT, na época de seu lançamento, como se fosse uma bandalheira. Esse mesmo partido, com Lula como porta-bandeira, resistiu à criação de todo o aparato necessário à reabilitação da economia brasileira, incluída a Lei de Responsabilidade Fiscal. Detalhes desse tipo, no entanto, são omitidos pelo presidente brasileiro em suas lições ao mundo.

Mas seus ensinamentos têm produzido até agora resultados modestos. O banco central dos Estados Unidos, o Federal Reserve (Fed), reduziu ligeiramente suas estimativas de crescimento econômico. Pelos novos cálculos, a expansão neste ano ficará na faixa de 3% a 3,5% e não mais no intervalo de 3,2% a 3,7%. Será provavelmente necessário, segundo os economistas do Fed, reforçar os estímulos monetários. Os enormes incentivos fiscais adotados nos últimos dois anos e ampliados na gestão do presidente Barack Obama ainda não deram suficiente impulso à atividade econômica.

A notícia mais positiva da semana, paradoxalmente, parece ter vindo da Europa: os governos em pior situação conseguiram refinanciar a maior parte das dívidas com vencimento neste ano e o risco de algum calote, agora, é menos assustador. Com menor tensão no mercado financeiro, as condições de crescimento poderão melhorar. Esse é um dos principais argumentos a favor das políticas descritas pelo presidente do Conselho Europeu.

A maior locomotiva da economia mundial, a China, dá sinais de perda de força, embora seu avanço continue impressionante. No segundo trimestre, o PIB foi 10,3% maior que o de um ano antes. No primeiro trimestre, a diferença havia sido de 11,9%. Analistas citados por agências de notícias começam a reestimar o crescimento deste ano. As projeções ficam entre 8% e 9,5%. Em qualquer caso, ninguém terá uma boa razão para se queixar do crescimento chinês, mas muitos governos continuarão denunciando a subvalorização do yuan. Segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, os chineses apenas fizeram sua moeda acompanhar a depreciação do dólar ? o verdadeiro problema, em sua opinião. Falta o presidente Lula pronunciar-se a respeito do assunto.

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