quinta-feira, junho 17, 2010

MÍRIAM LEITÃO

O peso da mancha 
Miriam Leitão 

O Globo - 17/06/2010

A entrada dos seis homens e duas mulheres, vestidos de preto, ontem, na Casa Branca, confirmou que o vazamento do Golfo afetará a indústria do petróleo no mundo. Na reunião com o presidente Barack Obama, os executivos da British Petroleum foram avisados que terão que fazer um fundo de US$ 20 bilhões para as compensações. O valor pode crescer

O maior desastre ambiental dos Estados Unidos obrigou o presidente Barack Obama a fazer o seu primeiro pronunciamento do Salão Oval para tentar salvar seu próprio projeto político.

No ano das decisivas eleições de meio de mandato, a popularidade do presidente tem afundado a cada novo sofrimento causado pelo vazamento de petróleo no mar. Ele joga a chance de um segundo mandato nessa reação.

É absolutamente improvável que depois de tudo isso a exploração de petróleo no mar continue a mesma. Os custos serão mais altos pela obrigatoriedade de medidas de segurança muito mais rigorosas do que as atuais; a regulação será mais forte; os prêmios de seguro mais caros; a energia limpa será mais valorizada; uma das maiores companhias do mundo pode desaparecer.

Neste momento, está temporariamente suspensa a exploração no mar na Noruega e nos Estados Unidos.

A BP é hoje uma empresa com um gigantesco passivo ambiental e financeiro.

Pode não sobreviver e é a operadora do maior campo petrolífero na América do Norte, o Prudhoe Bay, e uma das cinco maiores refinadoras de petróleo do Texas.

Obama anunciou a criação de um fundo independente no qual a BP terá que depositar “o dinheiro que for necessário” para pagar as indenizações e o custo de recuperação da economia da região afetada pelo vazamento. Os advogados da Casa Branca e da BP negociaram o valor do aporte no fundo em US$ 20 bilhões, mas no mercado a estimativa é que o fundo pode acabar tendo que chegar a US$ 60 bilhões. Ontem, a empresa anunciou que não pagará dividendos aos acionistas este ano.

O presidente americano, ao falar do Salão Oval, disse que vai mudar a regulação, nomeou um procurador federal para ser o novo chefe da agência reguladora, criticou a hostilidade contra os reguladores e a promiscuidade da regulação entre regulador e regulado. No Brasil, nos últimos anos, surgiram as duas tendências: o Ibama é acusado de intransigente e inimiga do progresso; as agências reguladoras no governo Lula foram enfraquecidas, partidarizadas e algumas passaram a ser braços dos regulados.

Uma comissão de moradores, estados, negócios afetados vai traçar um plano de recuperação que será financiado pela BP. Uma comissão nacional vai investigar as causas do desastre.

“O país tem o direito de saber por que houve a tragédia”, disse Obama. “Por gerações, famílias mantiveram estilo de vida à beira do mar que pode ter se perdido para sempre. Vamos lutar por meses ou anos contra os efeitos do vazamento”, afirmou. Ele acrescentou que na indústria da exploração de petróleo, nada foi tão grande e tão fundo quanto o campo da BP, e por isso foram testados os limites da tecnologia desenvolvida pelo ser humano. E pelo visto, reprovados.

Tudo isso evidentemente serve de alerta para o Brasil porque a exploração de petróleo do pré-sal será ainda maior e mais funda do que a dos campos do Golfo do México. A regulação tem que ser mais rigorosa e transparente, o princípio da precaução precisa ser levado a sério, um fundo contra desastre precisa ser constituído, os reguladores tem que ser independentes.

A mudança no regime de exploração de petróleo no Brasil foi formulada com dois objetivos: tirar proveitos políticoeleitorais da mudança do modelo, e retirar tributos recolhidos pelos estados produtores. Não houve preocupação com aumento da proteção do meio ambiente, nem de medidas de prevenção de riscos.

A estimativa feita ontem era que 60 mil barris por dia estão saindo do vazamento de petróleo para o mar do Golfo. Há uma semana, o cálculo era de 25 mil barris. O valor de mercado da BP caiu 48%. A ação era negociada a US$ 60 em 20 de abril e na terçafeira estava em US$ 31.

Obama disse no pronunciamento que “agora é a hora da atual geração adotar a energia limpa. Neste momento, milhares de trabalhadores estão construindo novas turbinas de energia eólica e painéis solares.

Mas temos que acelerar a transição.” Citou a China como investidor em energia limpa. Ele disse que nos Estados Unidos falam e falam há décadas sobre a redução da dependência do petróleo, e permanecem dependentes.

Isso é que acabou sendo a principal crítica feita a ele pelos especialistas. A de que faltaram medidas concretas para acelerar essa transição, como disse Andrew Revkin, do site Dot Eearth, do “NYT”. Na opinião de Revkin, Obama foi vago sobre uma das propostas que apoiou durante a campanha, o Cap and Trade, (cotas e comércio de carbono, que criaria um mercado compulsório de carbono nos Estados Unidos). Obama referiuse a “um plano” no Congresso, o que é na verdade a lei proposta pelo senador democrata, ex-candidato à presidência, John Kerry e pelo senador independente Joe Lieberman.

A imprensa cobrou. A CNN ao fim do discurso dele na noite da terça-feira cortou para um auditório com pessoas das comunidades atingidas. E a crítica foi exatamente que era preciso mais objetividade.

Ou seja, o governo americano foi duro com a BP, mas terá que endurecer ainda mais com toda a indústria de exploração de petróleo no mar se quiser reverter a situação desfavorável junto à opinião pública.

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