terça-feira, junho 01, 2010

MÍRIAM LEITÃO

Nos autos 
Míriam Leitão 

O Globo - 01/06/2010

Blairo Maggi mandou carta a propósito da coluna sobre a Operação Jurupari e garantiu que nunca pressionou ninguém a apressar liberação de licença ambiental. No dia 12 de janeiro, ele ligou para o superintendente de Gestão Florestal da Sema pedindo uma resposta para um assunto do interesse do deputado Mauro Savi, porque, segundo disse: “o trem tá enrolado”.

Muitos trens estão enrolados por lá, segundo o relatório da Polícia Federal que flagrou envolvimento de autoridades e funcionários da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema), no governo Blairo Maggi, em fraudes que levaram a desmatamento e um prejuízo calculado em R$ 880 milhões.

Maggi começa a carta assim: “Contrariamente ao que foi escrito no artigo de vossa autoria intitulado ‘Insustentável’, onde no último parágrafo há a afirmação de que nas investigações aparecemos ‘pressionando para apressar a liberação de licenças ambientais que favoreciam políticos’, qualquer pessoa, inclusive vossa senhoria, pode comprovar ao ler a transcrição da referida escuta, não ter ocorrido situação em que pedíssemos aprovação ou reprovação de requerimentos de licenças ambientais em nosso estado.” Ele não pede a aprovação, mas pede “atenção” ao deputado.

No dia 10 de janeiro de 2010, Maggi ligou para a Sema. A Polícia Federal registra assim: “Blairo Maggi, governador do estado, liga para Alex (Alex Sandro Marega, superintendente de Gestão Florestal) e pede para anotar o número de dois processos e ver porque eles estão enrolados na Sema. Blairo pede que Alex dê uma atenção ao deputado Mauro Savi quando ele procurá-lo, porque ele não está conseguindo falar com Alex. Alex fala que vai olhar o processo e dar retorno para Maggi.” Blairo fala assim: “Anota dois protocolos pra você me dar uma resposta porque esse trem tá enrolado.” Alex pega os processos. Um é pedido de LAU, Licença Ambiental Única, e o outro um plano de Manejo da Fazenda Mosquito, de Luiz Carlos Bedin.

Como é o governador, Alex se apressa: “Tá. Vou verificar e passo a resposta pro senhor ainda agora.” Blairo acrescenta: “Tá. Passa pra mim depois. Viu Alex? Eu gostaria que você desse uma atenção quando ele ligar aí. O deputado Mauro Savi, ele é nosso líder do governo que tá sempre conversando com vocês e até me disse que não tem conseguido falar. Eu quero que você dê uma atenção pra ele tá?” Alex concorda, e Blairo ainda pede o celular.

No dia 15, ele liga para o governador e diz que analisou os dois projetos. Diz que em um deles é só cumprir o pedido que ele será liberado, mas conta que o pedido para a Fazenda Mosquito é ilegal.

O fazendeiro queria aprovar plano de manejo em cima de área que já teve plano de manejo do Ibama há pouco tempo. Avisa que pelas normas ele só poderá desmatar na área em 25 anos. Blairo pergunta se não tem como autorizar. Ele diz que não.

“Isso a legislação não permite né?”, diz Blairo. E Alex responde: “Isso é um dos negócios que dá cadeia.” Em seguida, conta que ligou para o deputado e que Savi vai lá conversar com a Sema. Alex, no inquérito, aparece em indícios de outras fraudes.

Blairo disse na carta que em nenhum momento as transcrições o mostram “solicitando favorecimentos a políticos.” E mais adiante afirma que jamais a Operação Jurupari “inferiu ou declarou” que ele intercedeu em favor de alguém. “Razão pela qual desconhecemos em que vossa senhoria se baseou para posicionar-se de tal maneira em relação aos fatos.” Eu me baseei nesse diálogo.

No relatório da Polícia Federal de Mato Grosso, página 64 do primeiro volume, em que fala pela primeira vez desse telefonema, e no quarto volume, página 29, onde há a transcrição do diálogo. O telefonema do governador se dá depois de várias gestões feitas pelo então secretário de Mudanças Climáticas, Afrânio Migliari, em favor do mesmo caso.

Maggi argumenta que “pedir agilidade e eficácia no trabalho dos servidores públicos não sugere conduta inadequada ou ilícita.” É verdade, mas o pedido de agilidade e eficácia tem que respeitar o princípio da impessoalidade.

Um pedido do governador faz com que o assunto seja olhado imediatamente.

Como foi. E ele pediu atenção a um específico processo.

A Polícia Federal não pediu o indiciamento do ex-governador.

Fez isso com 105 outras pessoas, a maioria funcionários do governo, alguns em altos postos. Na operação, foram 91 presos, inclusive Alex Sandro Marega e Afrânio Migliari. Todos já foram beneficiados por habeas corpus. O gigantesco e minucioso relatório da PF mostra até que eram manipulados dados do sistema de georeferenciamento do Sisflora para “tirar” do mapa fazendas que estavam em terras indígenas, ou tirar propriedades do próprio sistema para esconder as irregularidades.

Afrânio está envolvido em 38 casos de fraude. O ex-secretário de Meio Ambiente Luiz Daldegan — que também foi preso — suspendeu a proibição de plantar eucalipto numa fazenda na Chapada dos Guimarães.

Blairo, na carta que assina “empresário, ex-governador e pré-candidato ao Senado” (cuja íntegra pode ser lida em meu blog), listou ações do seu governo para aumentar a proteção da floresta.

Nos autos, o que se vê é uma coleção exuberante de indícios apurados pela PF de ações ilegais dentro da secretaria que deveria proteger o meio ambiente.

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