quinta-feira, junho 03, 2010

MERVAL PEREIRA

Por menos impostos
Merval Pereira
O GLOBO - 03/06/10

Você acha que o brasileiro médio trabalhar 148 dias só para pagar os impostos para os três níveis de governo é um escândalo? Pois acredite: ainda tem gente que não acabou de pagar. Os que ganham até dois salários mínimos gastam exatos 197 dias.

Numa demonstração clara da injustiça do sistema implantado, quem ganha mais de 20 salários trabalha 102 dias para o governo, quase a metade.

O cientista político Alberto Carlos Almeida, do Instituto Análise, é um especialista em destrinchar o comportamento do brasileiro comum através de pesquisas.

Foi assim que ele criou dois best-sellers, “A cabeça do brasileiro” e “A cabeça do eleitor”. Agora ele volta com o livro “Dedo na ferida: menos impostos, mais consumo”, com um tema muito atual e que, espera, seja o enfoque da campanha presidencial: a explosiva carga tributária brasileira, que se aproxima de 40% da remuneração do cidadão brasileiro.

E aí começa a injustiça. O sistema brasileiro pune com altas taxas o consumo, e não apenas a renda.

No dia em que o impostômetro, um relógio digital instalado em São Paulo, pela Associação Comercial, para acompanhar a marcha da arrecadação, assinalou a marca de R$ 500 bilhões pagos pelo contribuinte brasileiro em todos os níveis de governo — municipal, estadual e federal —, Alberto Carlos Almeida propôs que os políticos assumam a bandeira que suas pesquisas indicam ser o sonho do brasileiro comum: redução pura e simples dos impostos no consumo.

Ele classifica de “perversidade” a política do governo de reduzir o IPI para carros e eletrodomésticos em caráter provisório, durante a crise econômica: “O governo dá um docinho para o cidadão e depois tira”.

Para Almeida, o projeto da Associação Comercial de São Paulo, apoiado por uma iniciativa popular com mais de um milhão de assinaturas, que separa o preço do produto dos impostos pagos, para realçar ao consumidor quanto está pagando para o governo, pode ser um caminho, desde que o procedimento seja o mesmo em uso nos Estados Unidos: o preço da prateleira é um, e na caixa registradora vira outro.

O que ele chama de processo de “irritar o consumidor”, para que ele se conscientize da alta carga tributária embutida nos preços.

Se em cada estado um ou dois candidatos a deputado assumissem a bandeira da redução dos impostos no consumo, meio caminho estaria percorrido, sonha Alberto Carlos Almeida.

No seu livro, um dos pontos de destaque é a demonstração do caráter regressivo do nosso sistema de impostos, com os que ganham menos pagando proporcionalmente mais.

Pelos estudos do Ibope, quem ganha até dois salários mínimos tem uma carga tributária de 54%, enquanto quem ganha mais de 30 salários paga 29%.

Na época da disputa no Congresso que resultou no fim da CPMF, fez muito furor, e certamente teve influência na decisão final, um estudo da professora Maria Helena Zockun, da Fipe, que converteu o peso da contribuição em proporção da renda de cada bloco de família.

Aproveitando um trabalho dos economistas Nelson Paes e Mirta Noemi sobre quanto da CPMF incidia sobre o consumo das famílias brasileiras, divididas em dez classes de renda e por tipo de consumo, Zockun provou que os de renda mais baixa pagavam proporcionalmente mais, o que desmontou a tese governista de que a CPMF era um imposto socialmente justo.

Ao converter o peso da CPMF para cada renda familiar proporcionalmente, a professora chegou a um quadro de desigualdade flagrante.

Como quem ganha menos gasta uma parcela maior de sua renda com o consumo do que os que ganham mais, e os de renda mais baixa gastam muitas vezes tudo que ganham e até mais, o resultado é que, em proporção de renda, os pobres pagavam mais CPMF do que os ricos.

Para as famílias que ganhavam até dois salários mínimos por mês, o peso da CPMF era de 2,19% da renda total mensal, ao mesmo tempo em que para as famílias que ganhavam mais de 30 salários mínimos, esse índice era de 0,96% da renda total mensal.

Em improviso na noite de terça-feira durante a reunião da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), em Brasília, o presidente Lula fez o seguinte comentário sobre nossa carga tributária: “Tem muita gente que se orgulha de dizer: no meu país, a carga tributária é apenas 9%. No meu país, a carga tributária é apenas10%.

Quem tem carga tributária de 10% não tem Estado”.

Fora o fato de que não existe país que tenha carga tributária tão baixa, Alberto Carlos Almeida rebate o raciocínio do presidente com outra afirmativa: “Com 10% de carga tributária não existe Estado, mas com 40% não existe sociedade”.

Para o cientista político, a carga tributária excessiva está estrangulando a sociedade, e o próximo passo para o país se transformar em grande potência tem que ser a mudança do padrão de taxação.

Alberto Carlos Almeida atribui à alta carga tributária a falta de competitividade da economia brasileira, e sabe que a mudança só acontecerá a longo prazo, mas afirma que ela é imprescindível para que o país possa ter um desenvolvimento perene ao longo do tempo.

Almeida não se refere a uma reforma tributária nos moldes da que se discute eternamente sem chegar a uma conclusão: “No Brasil, quando não se quer mudar nada, se faz uma reforma”.

Ele defende uma decisão simples: a redução dos impostos no consumo, que seria viável com a redução proporcional do desperdício e da corrupção na máquina pública. Essa receita não é dele, mas do cidadão comum, revelada pelas pesquisas que realizou.

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