quarta-feira, junho 16, 2010

CLAUDIO SALM

Quem é neoliberal?

Claudio Salm
O Globo - 16/06/2010
 
Os marqueteiros do PT estão fazendo de tudo para grudar em José Serra o epíteto de neoliberal. Sua vitória implicaria um retrocesso ao neoliberalismo. Valem três perguntas e uma resposta. Implicaria? Desde quando o neoliberalismo foi enterrado pelo governo do PT? Como é que se formam os dois preços mais importantes da economia, a taxa de juros e a taxa de câmbio? 

Exatamente como antes de chegarem ao governo, os petistas deixaram que esses preços fossem determinados pelos erráticos fluxos de capitais, quer dizer, pelo mercado. A sustentação do crescimento depende dos investimentos e estes, em enorme medida, de taxas de juros e de câmbio que não inviabilizem nossa competitividade, como acontece hoje na indústria. Enquanto a candidata do PT pisa ovos e não perde chance de reafirmar sua reverência às forças do mercado, como fez agora na palestra lida em Nova York, Serra levantou o assunto sem receio de cometer heresias antiliberais. 

A propaganda eleitoral petista busca impingir a Serra intenções impopulares, como a de querer privatizar o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e a Petrobras. Não colou, mas o discurso chantagista não para. 

Uma ameaça feita pelo marketing petista é a de que Serra cortaria o gasto público social, especialmente o gasto assistencial. Quando ele teria feito algo semelhante no passado? Nunca. E nem os grandes teóricos do liberalismo são contra as transferências assistenciais, dado que defendem os gastos públicos que promovam a maior igualdade de oportunidades. Famílias que vivem abaixo da linha da pobreza são as que mais carecem de oportunidades. Os que são contra costumam apelar para o surrado refrão que diz ser melhor ensinar a pescar que dar o peixe. Ora, não se trata de uma coisa ou de outra. Junto com o Bolsa Família, o Estado deve proporcionar saúde e educação de qualidade, o que não acontece por esse Brasil afora. Essa é a crítica do Serra. 

Nossas deficiências educacionais são muito sérias, como atestam as avaliações internacionais (Pisa), nas quais o Brasil sempre aparece entre os últimos colocados. A questão da educação básica é tão grave que deveria ser mais federalizada, assim como a segurança pública, tal como proposto por Serra. Educação e saúde, como segurança, devem ser encaradas como políticas de natureza universal, que demandam vultosos recursos, cortes de desperdícios, planejamento, disposição para enfrentar interesses e aversão ao loteamento político dos ministérios, das empresas, das agências reguladoras. 

O tamanho do gasto público em relação ao PIB não é divisor de águas nem mesmo para o mainstream da teoria econômica. A discussão que interessa tem a ver com necessidades e com os meios para financiar os programas. A questão deve ser tratada de forma pragmática, e não doutrinária. 

Comparada à de outros países, e levando em conta a renda per capita, nossa carga tributária é elevada. Tão ou mais grave, porém, é a injustiça embutida na arrecadação. Basta lembrar que a carga para as famílias que ganham até dois mínimos mensais é o dobro em relação à das que ganham acima de 30. Estudo da Cepal/ONU ("La hora de la igualdad") mostra a importância dos impostos e transferências para a distribuição de renda na Europa, enquanto no Brasil e na América Latina o efeito redistributivo é mínimo, quando não é regressivo. Serra tem se posicionado claramente a respeito desse assunto espinhoso, sempre evitado pelos governos, inclusive pelo do PT e, até agora, também pela sua candidata. 

Por último, a candidata é apresentada como a heroína de um suposto retorno das políticas industriais no Brasil. Serra criou, na Constituinte, o Fundo de Amparo ao Trabalhador, que financia o BNDES, e foi ele quem propôs e aprovou o Fundo Constitucional de Financiamento do Norte, Nordeste e Centro Oeste. Foi ele também que pilotou, no Planejamento, a implantação do regime automotriz que salvou, modernizou e descentralizou a indústria automobilística (incluindo o RJ). Já o PT preside um ciclo de desindustrialização e retorno a uma economia primária exportadora, incapaz de gerar empregos em quantidade e qualidade. Empresta dinheiro subsidiado para empresas comprarem empresas, sem investimento novo, destrói cadeias produtivas, encolhe as exportações de produtos com mais tecnologia, se humilha diante da China e promove a farra dos importados. Haja neoliberalismo! 

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