domingo, junho 27, 2010

CELSO MING

Agregação de chavões


CELSO MING 
O Estado de S.Paulo
Até que ponto vale a pena agregar valor a um produto? Dia 18, esta Coluna (Fazendão Brasil) levantou dúvidas sobre um desses princípios consolidados ao longo dos anos pelo pensamento econômico do Brasil sem submetê-los ao crivo das transformações e que, assim, não passam de chavões. É preciso voltar ao tema.
Na segunda metade do século passado, a flagrante deterioração das relações de troca do Brasil, tese campeã do professor argentino Raúl Prebisch, recomendou a política de substituição das importações e a relativamente rápida industrialização do País. Mas, no âmbito da globalização, a aplicação cega de velhos axiomas já não serve para atender ao interesse nacional.
As relações de troca entre o Brasil e o resto do mundo já não são tão desfavoráveis quanto eram há 50 anos. Ao contrário, atualmente elas jogam a favor dos emergentes. Além disso, poucas coisas hoje aumentam o valor agregado mais do que uma boa produção de commodities. O agricultor paga R$ 60 por uma saca de 40 kg de sementes selecionadas de soja e colhe 3 toneladas. Uma conta tosca mostra que o valor adicionado é de mais de 2900%. A partir daí, pode-se agregar mais valor ao produto, mas será sempre marginal. "Com produtividade média e preços médios (probabilidade de atingir estes números na ordem de 80%), tenho taxa de retorno esperada de 50% para um ciclo de seis meses", observa o produtor Roberto Salles Zancaner. E coisa semelhante se pode dizer do setor de açúcar e álcool "capaz de proporcionar o dobro do retorno obtido na produção dessas engenhocas eletrônicas, por uma fração da complexidade (e risco)", diz Zancaner.
Um desses consensos equivocados que se formaram por aí é o de que a indústria, qualquer que seja, sempre estará agregando mais valor e criando mais empregos e, portanto, é mais desejável do que a produção e exportação de commodities. Uma visita a essas lojas de R$ 1,99 mostra quanta tralha industrializada está disponível a qualquer poder aquisitivo. Qual é hoje a agregação de valor obtida pela produção de calculadoras, celulares (que a companhia telefônica já está fornecendo quase de graça), televisores, camisetas ou meias de algodão? Há dez anos, era difícil encontrar computador por menos de R$ 5 mil. Hoje, um dos objetivos da indústria é vender um notebook por menos de US$ 100.
Há alguns anos, o produtor brasileiro de calçados estufava o peito e dizia que fazia parte de um dos setores produtivos que mais criavam emprego. Hoje, o calçado que a moçada usa é um aglomerado de tecido e plástico prensado que praticamente não emprega mão de obra - sem insistir demais no desemprego provocado na corporação dos engraxates. E convém notar que o calçado campeão de exportação do Brasil, sempre copiado e tantas vezes igualado, são as Havaianas. Do ponto de vista da agregação de valor, o que, afinal, são as Havaianas?
Alguma moral da história é preciso tirar daí. Não se pode jogar no lixo as conquistas da Teoria das Relações de Troca. Mas é preciso reciclá-las aos tempos da Tecnologia da Informação e da globalização. É preciso, também, ajustar a economia ao novo ciclo da produção de commodities agrícolas, metálicas e energéticas, cada vez mais estratégicas, e não simplesmente repetir que a indústria está sendo sucateada.
Nova mordida
A decisão do Banco Central de aumentar a retenção compulsória dos bancos sobre depósitos à vista, de 42% para 43%, anunciada na última sexta-feira, pode parecer irrelevante, mas tem o objetivo de conter a expansão do crédito. Em maio, as operações de empréstimo do sistema financeiro haviam ultrapassado o R$ 1 trilhão ou 45% do PIB.
Não vai parar
O Banco Central avisou ainda que, até 2014, o compulsório vai subir até 45%. É uma indicação de que o Banco Central não considera a hipótese de que o novo governo a ser empossado em janeiro e, portanto, de que eventual mudança da diretoria da instituição possam alterar essa trajetória.
Crédito mais caro?
O aumento do compulsório deve ser visto também como uma forma de conter o consumo dispensando alta adicional dos juros básicos (Selic). Nas próximas semanas se saberá quanto essa mudança vai encarecer o crédito.

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