domingo, junho 27, 2010

BRASIL S/A

Maior que o G-20
Antonio Machado

CORREIO BRAZILIENSE - 26/06/10

Problemas do crescimento desafiam chefes de governos do Grupo dos 20 a romper com a mesmice


A diferença entre os políticos padrões e os líderes ou estadistas é que os primeiros nunca se arriscam e os segundos farão o que for preciso sem temer o julgamento eleitoral. Os problemas da economia mundial colocam a bancada dos chefes de governos do Grupo dos 20 (G-20) no nível da mesmice. E não só pelo vulto da dívida soberana e dos deficits fiscais legados pela grande crise do crédito.

Que não tivesse existido o subprime das hipotecas nos EUA nem as contradições fiscais da união monetária na Europa do euro e, ainda assim, questões de enorme amplitude continuariam a pedir respostas inadiáveis — e as indefinições, a gerar apreensões de toda ordem.

Nos próximos 40 anos, por exemplo, projeta-se a frota de carros, no mundo, em 3 bilhões de veículos. Só a frota da China, em 2050, segundo tais projeções citadas pelo financista e visionário Vinod Khosla, físico indiano radicado nos EUA, equivaleria à que existe hoje no mundo. Na Índia, seria 50 vezes maior que sua frota atual.

Números com tamanha grandeza sugerem imensas oportunidades, além de desafios e riscos de igual magnitude, sem abandono da economia movida a energias fósseis, como o petróleo, um dos grandes vilões da poluição urbana e das emissões de CO2 responsáveis pelo aumento da temperatura da Terra. Isso é sabido. Mas os “líderes” do G-20 não veem tais questões com a urgência que atribuem às mazelas das finanças globais. É como se a qualidade de vida pudesse esperar.

Transportes demandam 70% da produção de petróleo no mundo. Não é possível extrair mais do que já deu a energia que o mundo poderia consumir sem ameaçar a sobrevivência da Terra ou, se não tanto, a qualidade de vida, pelo menos. O carro elétrico pode ser a saída.

Mas não é. A bateria recarregada com energia elétrica gerada por usinas alimentadas a carvão, a fonte primária de eletricidade nos EUA, na China, na Índia, em suma, na maior economia do mundo e nos dois países mais populosos. China e Índia têm mais gente que a África e a Europa juntas. E já alcançaram um Produto Interno Bruto medido pelo critério de paridade do poder de compra de suas moedas de 16% do PIB global ou o equivalente à economia da União Europeia.

Esse padrão de produção e consumo altamente intensivo em matérias-primas, emulando o modelo das sociedades de consumo do mundo rico, tem riscos porque ameaça o futuro. E ameaça o Brasil, dependente da exportação de minérios, e que se vai amarrar à produção de petróleo do pré-sal — projeto de maturação a longo prazo, quando, talvez, já se tenha migrado para as novas energias mais limpas.

Ansiedade e reflexão
Essas ansiedades, acompanhadas das devidas reflexões, ocuparam as atenções de outra versão da conferência anual promovida pelo Banco Mundial sobre desenvolvimento econômico, conhecida por ABCDE, de Annual Bank Conferences on Development Economics. O tema do evento este ano, realizado na Suécia, foi sobre o desenvolvimento no pós-crise, com foco em meio ambiente, pobreza e a inovação.

A relação entre o preço das commodities em meio à crise econômica e a escassez ambiental foi apresentada pelo economista Ramón Lopes, da Universidade de Maryland, com conclusões preocupantes.

Para onde vai o lixo
A produção nos países avançados, segundo ele, se desmaterializou, mas não o consumo. A consequência é que as economias ricas não se tornaram mais limpas, mas melhores em descarregar o lixo em outros lugares. Um terço de todas as minas e larga fração da produção de petróleo e gás se localizam em áreas frágeis, diz Lopes, tais como florestas tropicais e plataformas marítimas. A tragédia no Golfo do México, onde vaza petróleo desde abril, reforça a sua tese.

A tendência é que tudo fique pior. Ou não. Depende das rupturas ensaiadas por investidores em tecnologias de ponta e uma vanguarda de políticos, que tentam influenciar a virada do governo de Barack Obama a partir de leis que releguem o petróleo à obsolescência.

Uma China a cada 3 anos
Não há meio-termo contra a crise que se estabeleceu no mundo, e não só a que está na pauta do G-20. Considere-se que nos anos 2000 o aumento da produção anual no mundo, sobretudo de matérias-primas, foi da ordem de US$ 2,3 trilhões, como debatido no painel do Banco Mundial. É como se uma nova China fosse adicionada ao mundo a cada três anos. A crise abrandou tal processo. Se o crescimento voltar a toda, o modo de produção, o meio ambiente e a ecologia urbana vão chocar-se, e não por questões programáticas, mas de deseconomias e disfuncionalidades sociais. É uma conta que o G-20 finge ignorar.

Outro Jimmy Carter?
Por razões relacionadas à tendência que vem ganhando adeptos no circuito financeiro, segundo a qual EUA e Europa caminham para uma segunda onda recessiva este ano, o economista David Rosenberg diz que “o mercado está perdendo a confiança na capacidade dos nossos líderes para dirigir o mundo na direção certa”.

Nos EUA, discute-se se Obama repetirá Jimmy Carter, que exerceu um governo de ideais, mas inepto para tirar o país da crise. Ele foi presidente de um só mandato. É nesses termos que se coloca a necessidade das transformações da economia. O crescimento que se anseia também pode ser tão traumático quanto a sua falta — debate já entranhado no Banco Mundial. E pobre no Brasil, onde decisões para o século 21 são tomadas com a cabeça no século 20.

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