quarta-feira, junho 16, 2010

BRASIL S/A

A Coreia de Lula
 Antonio Machado
CORREIO BRAZILIENSE - 16/06/10

No suadouro da Previdência, Lula sanciona aumento maior e veta fim do redutor de aposentadorias



Com uma bola dentro e outra fora, o presidente Lula se livrou da armadilha plantada pelo Congresso, saindo-se, como era previsível, do enrosco das aposentadorias do setor privado. O jogo não acabou: agora falta o governo anunciar como vai compensar o custo extra.

Ele concordou com o aumento maior do que o recomendado pela área econômica do governo, que outra vez ficou vendida pelos interesses eleitorais do presidente, e vetou o fim do “fator previdenciário”.

Projeto do senador Paulo Paim, petista como Lula, o fim do fator foi do Senado à Câmara sem encontrar nenhuma resistência da defesa governista até que Lula sacou o cartão vermelho no ultimo minuto do último dia para decidir o que fazer. Previdência, para ele, foi sempre um “fator de embaraço”, tratado com improvisação.

Lula imaginou ficar bem na foto ao decidir, no fim do ano passado, conceder às aposentadorias com valor acima de um salário mínimo um reajuste maior do que a inflação de 2009. A inflação, acrescida da variação do PIB de dois anos anteriores, só é obrigatória, segundo a lei, para os proventos abaixo de um salário mínimo. Para valores maiores, a correção é limitada à inflação, e nada mais.

Vem daí a proposta, acertada com as centrais sindicais, do índice de reajuste de 6,14%. Seria para o Congresso ratificá-la, e deixá-lo faturar a generosidade, além de provavelmente partilhá-la com a candidata Dilma Rousseff. Esse era o enredo. Deu tudo errado.

Os sindicatos, Lula traz no cabresto. Já com os políticos da base de partidos aliados, a vassalagem é de ocasião. Calejado nas manhas da política, ele se mostrou ingênuo ao supor que bastaria o teatro com os sindicalistas para anular com uma jogada de carrinho o bem armado lobby dos aposentados na Câmara e no Senado. Perdeu feio.

No Congresso, sua proposta de reajuste, embrulhada como presente, foi desembrulhada, substituída pelo aumento de 7,7% e acrescida do brinde arrasa quarteirão das contas do INSS: o fim do tal fator previdenciário — o redutor criado no governo FHC para desestimular aposentadorias precoces, depois da recusa do Congresso de definir uma idade mínima para se aposentar. Ele não tinha como não vetar.

Jovens sacrificados
A idade mínima para aposentadorias existe em todo mundo, até onde os benefícios sociais são generosos, como na Escandinávia. Mas não no Brasil. As pessoas começam a se aposentar jovens, na altura dos 40 e poucos anos, sem terem contribuído para isso, contra mais de 60, em média, na Europa, EUA, Japão, Austrália, Chile, Argentina.

Seja pela crise global, seja pela tendência de envelhecimento da população e de aumento da expectativa de vida, a idade mínima para se aposentar está sendo aumentada em toda parte. É problema social grave não fazê-lo, já que não há mais como extrair do assalariado da atual geração e futuras o custeio da geração aposentada.

O ônus demográfico
Em vários países, já há mais gente aposentada ou muito jovem que pessoal empregado. É o caso do Japão, Alemanha, Itália, Rússia. E é o que se projeta para o Brasil. A redução da taxa de natalidade e a desaceleração do crescimento do número de jovens, iniciadas na década de 1980, indicam que a população total começará a declinar entre 2020 e 2025 no Brasil. Desde 2004, a população jovem, com 15 a 24 anos, encolhe em termos absolutos. Tudo isso contribui para o agravamento dos desequilíbrios do plano atuarial da Previdência.

A nobreza e a ralé
Além da tendência de envelhecimento da sociedade, no país há duas classes de aposentados: a nobreza do Estado e a ralé. Tal situação amplia os ônus sociais quanto mais tempo perdurar a iniquidade dos dois regimes: do funcionalismo público, que se aposenta recebendo praticamente o último salário, e os outros, confinados ao teto de R$ 3.416 antes do novo reajuste. Lula tinha ciência dessas coisas.

Ele teve a chance de rever as distorções no primeiro mandato e a deixou passar. No segundo governo, teve em mãos um projeto que só previa mudanças para quem se aposentasse depois que fosse aprovado — ou, ainda mais restritivo, valesse apenas para quem ainda fosse ingressar no mercado de trabalho. Nem isso ele topou propor.

O abacaxi previdenciário se tornou mais amargo para seu sucessor. Seria pior se não vetasse o fator previdenciário, contra o qual se opôs no governo FHC. E ficará complicado se o conselho do ministro da Fazenda, Guido Mantega, for outra vez ignorado: o de compensar o custo do aumento maior, da ordem de R$ 1,6 bilhão, com cortes de gastos, incluindo as emendas de parlamentares. É justo.

Ministros figurantes
Muitos dos desatinos cometidos na economia só produzem efeito em prazo maior, o que faz com que seus méritos sejam julgados apenas à luz dos resultados imediatos. É quando a respeitabilidade de um ministro, normalmente da área econômica, faz a diferença.

Lula os tem como assessores, não como conselheiros seniores cujos pareceres equivalem aos de juristas ou médicos. Afora o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, em sua área específica, e do então ministro Antonio Palocci, a quem ouvia e ainda dá ouvidos, o resto é figurante. O resultado está aí: só se escreve o que sai da área econômica após o sim de Lula, mesmo à revelia do bom senso.

Tal estilo de governar não deu propriamente errado com ele, o que não significa que esteja certo e que não deixará sequelas.

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