sábado, maio 29, 2010

MERVAL PEREIRA

Vitória do Pragmatismo
MERVAL PEREIRA 
O GLOBO - 29/05/10


“A geografia do voto nas eleições presidenciais do Brasil: 1989-2006”, um estudo do cientista político Cesar Romero Jacob, diretor da editora da PUC, e uma equipe de pesquisadores brasileiros e franceses, pode ser útil para compor cenários em relação à eleição deste ano, na medida em que, com uma série histórica já de cinco eleições, mostra como os vitoriosos — Collor, Fernando Henrique e Lula — ganharam com estratégias assemelhadas.
Mudanças na chamada “geografia eleitoral” dos partidos mostram que nenhum candidato ganha sem algum grau de compromisso com um Brasil que tem voto e representação política, formando “estruturas de poder” definidas: as oligarquias nos grotões, os pastores pentecostais, os políticos populistas na periferia e a classe média urbana escolarizada.

Este ano, ele prevê uma disputa acirrada, pois os dois candidatos que polarizam a eleição — Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) — são pragmáticos igualmente e buscam alianças políticas sem pruridos ideológicos.

Para Cesar Romero Jacob, o primeiro a entender que existem estruturas de poder no território nacional foi Fernando Collor. Criou-se um mito, até pela falta de uma série histórica, de que a imprensa tinha criado o mito e elegido o Collor.

Não foi a imprensa, no entanto, o fator determinante, afirma Romero Jacob. Segundo ele, Collor, como alguém oriundo da oligarquia, sabia que existiam estruturas de poder no interior do Brasil, que tem cerca de 5.500 municípios, sendo que destes, 5.200 têm menos de 50 mil eleitores, correspondendo a 46% do eleitorado.

Collor contou com as estruturas oligárquicas para vencer, até porque o PFL abandonou o Aureliano Chaves, e o PMDB abandonou Ulysses Guimarães.

Os mapas mostram que ele teve votação no país inteiro, e os percentuais mais altos, na faixa de 64%, numa eleição que teve 21 candidatos a presidente, são sempre em pequenos eleitorados.

Nos grandes centros, o volume de votos é maior, mas o percentual é mais baixo.

Collor entendeu, antes dos outros, que ele precisava usar essas máquinas que existem nos grotões.

Na outra ponta, existem os grandes centros urbanos modernos, onde há um eleitorado mais independente das clientelas políticas, sobretudo uma classe média urbana, escolarizada.

Para esses, diz Romero Jacob, o candidato tem que ter discurso, identificado em pesquisas qualitativas. “Aí você trava uma batalha de opinião pública”, ressalta.

Entre o grotão e os centros urbanos modernos, há uma periferia pobre onde quem tem poder são os políticos populistas com seus centros sociais, que criam uma clientela, e os pastores pentecostais, que com suas igrejas acabam criando também uma clientela eleitoral.

Através de políticas de alianças, de articulação dessas estruturas existentes, Collor conseguiu ganhar a eleição. O que fazia Mario Covas, então candidato do PSDB à Presidência? Os mapas mostram que ele teve voto em São Paulo e no Ceará — porque Ciro Gomes e Tasso Jereissati aderiram ao PSDB logo que ele foi fundado — e em capitais.

Também Brizola teve sua votação restrita, naquela eleição, ao Rio de Janeiro e ao Rio Grande do Sul. “E você não pode querer ser presidente da República sem voto em São Paulo, com 22% do eleitorado, e em Minas, com 11%”, lembra Romero Jacob.

A campanha de Covas não foi pragmática, foi “ideológica”.

O tal “choque de capitalismo” que ele propôs, embora estivesse absolutamente certo, não quer dizer nada para o eleitor lá do grotão, comenta o sociólogo.

Cinco anos depois, Fernando Henrique Cardoso pragmaticamente fez a mesma coisa que Collor, só que no sentido contrário: foi dos grandes centros para os grotões.

Aí o choque de capitalismo já não era teórico, era o Plano Real, que catalizou essas estruturas de poder. Mas Fernando Henrique fez alianças com as oligarquias, e por isso foi muito criticado.

O professor Cesar Romero Jacob usa os mapas eleitorais para rejeitar a tese de que, com o Plano Real, Fernando Henrique poderia ter vencido as eleições sem o PFL.

“Quando você tem uma série histórica com cinco eleições, e começa a ver o mesmo fenômeno se repetir, chega à conclusão de que o eleitorado não é tonto, o voto não é errático. Mesmo que as conjunturas sejam diferentes, você tem as mesmas estruturas de poder sobre o território que têm que ser articuladas”.

Fernando Henrique foi o segundo a abandonar as ilusões de que se pode ganhar uma eleição presidencial apenas com uma tese.

O mapa eleitoral do Fernando Henrique é muito parecido com o do Collor, destaca Romero Jacob, e em nada tem a ver com o do Mario Covas.

É claro que o eleitorado do Fernando Henrique nos grandes centros é sempre maior que o do Collor, porque ele reúne o eleitorado tucano dos grandes centros urbanos, com as máquinas oligárquicas nos grotões, explica o professor.

Ele também fez aliança com os políticos populistas da periferia e com os pastores pentecostais. Em 1998, a estrutura da votação foi assemelhada, com algumas diferenças.

Mas, pragmaticamente, ele se aliou em São Paulo a Paulo Maluf e teve uma vot ação no estado muito maior do que tivera em 1994 — venceu por diferença de 5 milhões de votos.

Até aqui, diz Romero Jacob, temos a vitória do pragmatismo sobre uma posição “ideológica” de Lula, que tinha uma votação, sobretudo, nas capitais, onde há um eleitorado de esquerda, e nos municípios industriais: ABCD mais Osasco e Guarulhos, em São Paulo; em Minas, no Vale do Aço; e, no Rio de Janeiro, tinha voto em Volta Redonda.

(Continua amanhã: a mudança em 2002)

Nenhum comentário:

Postar um comentário