sexta-feira, maio 14, 2010

MIRIAN BACCHI e ALEXANDRE MENDONÇA DE BARROS

Exemplo para o agronegócio nacional
MIRIAN BACCHI e ALEXANDRE MENDONÇA DE BARROS
FOLHA DE SÃO PAULO - 14/05/10

O Consecana, sistema de precificação na cadeia produtiva da cana-de-açúcar, é o modelo mais bem-sucedido dos últimos anos


A ECONOMIA agrícola nos ensina que os processos de produção e comercialização de produtos agropecuários têm características únicas para cada produto, como período da colheita, perecibilidade, armazenagem e volume de safra.
Esses atributos determinam o processo de formação de preços, gerando complexas relações entre a agricultura e a indústria de processamento e distribuição.
Por conta dessa complexidade, um conjunto amplo de políticas agrícolas e de organizações de mercado se desenvolveu em diferentes países, estabelecendo modelos distintos de formação de preços.
No Brasil, o modelo mais bem-sucedido dos últimos 12 anos é o sistema de precificação na cadeia produtiva da cana-de-açúcar, o Consecana.
As especificidades do processo produtivo do açúcar, do etanol e da própria cana produto volumoso, com elevado custo de frete relativo ao preço (o que inviabiliza o transporte por longas distâncias) e que precisa ser processado logo após a colheita, causam uma dependência bilateral entre os fornecedores e as usinas.
Isso torna essencial a existência de parcerias entre os segmentos agrícola e industrial.
Durante décadas, o setor sucroenergético viveu sob forte intervenção estatal, o que afetava todo o processo.
A política agrícola para o setor, vigente até o final dos anos 90, determinava cotas de produção por usina e estabelecia os preços da cana, do etanol e do açúcar, o que impedia o pleno desenvolvimento de uma economia de mercado no setor.
Com o desmonte do aparato governamental e a necessidade de uma nova forma de remunerar a matéria-prima, surgiu em 1998 o Consecana, Conselho dos Produtores de Cana-de-Açúcar, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo. Formado por representantes das indústrias de açúcar e etanol e dos plantadores de cana, o Consecana define regras e zela pelo bom relacionamento entre as partes.
A divisão de riscos caracteriza o contrato de formação de preços do Consecana, um processo que serve como referência para a livre negociação entre fornecedores e indústrias.
O conceito básico é o de que a receita deve ser repartida de maneira equânime entre os setores agrícola e industrial, com base nos custos de produção. Estabelecida a participação dos mesmos no custo final, reparte-se a receita da venda de etanol e açúcar proporcionalmente à repartição dos custos.
É possível calcular periodicamente o resultado da atividade, na medida em que os preços do etanol e do açúcar são determinados pelo mercado e apurados de forma transparente pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da USP, na cidade de Piracicaba.
Qualquer alteração no modelo é avaliada por uma câmara técnica e aprovada pela diretoria do Consecana, ambas compostas por um número igual de representantes dos fornecedores e das usinas, o que impede decisões unilaterais.
Quando necessário, empresas de consultoria arbitram as decisões e acrescentam uma garantia a mais de imparcialidade. Foi o que ocorreu na última revisão do modelo Consecana, em 2005, quando a Fundação Getulio Vargas arbitrou a revisão dos métodos de partição de custos.
Após a adoção do sistema por São Paulo, outros Estados aderiram ao modelo, alguns com sistemas próprios e outros apoiados em informações de Estados próximos.
Com o tempo, o Consecana passou a ser exemplo internacional de determinação de preços em livre mercado, preservando rentabilidade e diluindo riscos de ambos os lados do sistema.
De adesão voluntária, a abrangência e o desempenho do Consecana comprovam o sucesso da parceria entre usinas e fornecedores.
Os evidentes ganhos mútuos gerados para os dois principais elos da cadeia produtiva da cana tornam eventuais pendências entre as partes casos pontuais, de pouca representatividade, em geral resolvidos no âmbito das entidades de representação de classe.
Não existe hoje outra cadeia do agronegócio brasileiro cujas relações comerciais entre agentes pertencentes aos seus diferentes elos sejam tão bem estruturadas.
O modelo é considerado um sucesso quanto à transparência nas transações comerciais e à equiparação dos participantes, garantindo inclusive representatividade equilibrada para agentes de diferentes portes.
MIRIAN BACCHI é professora da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP e pesquisadora do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea).
ALEXANDRE MENDONÇA DE BARROS é sócio-diretor da consultoria MB Agro e professor da Fundação Getulio Vargas.

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