sexta-feira, maio 07, 2010

MERVAL PEREIRA

Testando os limites
Merval Pereira
O GLOBO - 07/05/10

A “judicialização” da campanha presidencial, como acusa o PT, tem razões imediatas ligadas à execução da legislação eleitoral, mas sobretudo representa um esforço da oposição de criar constrangimentos para o governo, especialmente para o presidente Lula, para quando realmente a campanha começar, depois das convenções de junho.

Essa guerrilha judicial, além de um sintoma de que a legislação está errada, criando situações indefinidas que os partidos tentam explorar ao máximo, ampliando os limites da lei, é também reflexo da participação ativa de um presidente extremamente popular que não gosta de ser contestado.

O que o PSDB teme é a força do presidente Lula na campanha eleitoral, e essas ações atuais representam uma tentativa de dar limites à sua atuação.

Mas também a oposição é acusada pelo PT de infringir a lei, embora em escala menor, no mínimo pela falta de condições objetivas.

O presidente Lula tem sido multado pela Justiça Eleitoral por campanha antecipada, e agora mesmo o programa partidário do PT entrou na mira do Ministério Público Eleitoral, no que parece ser um novo patamar da guerra.

Muito dificilmente ele não irá ao ar no próximo dia 13, como propôs a viceprocuradorageral eleitoral, Sandra Cureau ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A punição seria consequência de uma representação do PSDB e do DEM contra o PT, que, em dezembro do ano passado, teria usado o espaço reservado para a propaganda partidária para promover a pré-candidatura de Dilma.

Esse esforço do presidente e do PT para colocar a candidatura oficial em condições de competir com Serra, que aparece como líder das pesquisas consistentemente nos últimos anos, tem feito com que a lei eleitoral seja frequentemente burlada nesta campanha.

Por isso, a oposição vai à Justiça se proteger do abuso de poder do presidente.

O que ela quer, na verdade, é inibir a atuação de Lula, que é a grande incógnita da propaganda oficial no rádio e na televisão.

Ninguém sabe se a presença de Lula no programa do PT vai alavancar a candidatura de Dilma, como acreditam os petistas e temem os oposicionistas, ou se o empenho do presidente pode causar incômodos em parcela do eleitorado, que já começa a ver nesse exagerado empenho de Lula uma tentativa de impingir sua vontade ao eleitorado.

Na verdade, o que vem funcionando muito bem na democracia brasileira é o sistema de pesos e contrapesos entre os Poderes, com destaque para a atuação do Judiciário.

Também a sociedade tem reagido com firmeza diante de tentativas de excessos por parte do Executivo.

Luis Gushiken, quando ainda era um assessor graduado da Presidência da República, diagnosticou essa situação dizendo que “a sociedade brasileira já deu os limites ao PT”.

Ele se referia a medidas polêmicas do governo, como o Conselho Federal de Jornalismo, a Ancinav e até mesmo a uma cartilha do “politicamente correto”, que, segundo ele, não tinham qualquer intenção autoritária mas geraram reações da sociedade: “A cada tentativa dessas, vai e volta, a sociedade reage.

Está dado claramente o limite”, disse-me Gushiken certa ocasião.

De lá para cá, outras ocasiões surgiram para confirmar que setores do governo petista testam os limites de suas ações, sempre tentando ampliá-los, e são rechaçados pela reação firme da sociedade.

O fato mais recente foi a tentativa de aprovação do Programa Nacional de Direitos Humanos, que provocou uma reação de diversos setores da sociedade que se sentiram atingidos por várias medidas propostas no documento, desde a implícita revisão da Lei de Anistia – questão agora definitivamente resolvida pela decisão do Supremo Tribunal Federal – até questões como o aborto ou o direito de propriedade.

Uma a uma essas questões foram sendo revistas pelo governo, diante da reação em cadeia.

Atribui-se ao presidente Lula uma irritação com a atuação do Tribunal Superior Eleitoral, que já o multou duas vezes por campanha antecipada.

O presidente consideraria que o TSE está usando essas multas, que seriam rigorosas demais, para mostrar imparcialidade e marcar posição.

O presidente já deixou claro em diversas ocasiões sua inconformidade com as ações da Justiça Eleitoral, e não foram uma nem duas vezes em que debochou publicamente das punições que recebeu.

Mas o fato é que, se o TSE não impuser limites, corremos o risco de termos uma campanha em que os candidatos a presidente serão eleitos depois de desrespeitarem seguidamente a legislação eleitoral em vigor.

Essa situação, além de ser um péssimo exemplo, poderia criar brechas para que o resultado da eleição fosse contestado pelo perdedor na própria 
Justiça Eleitoral.

Três governadores perderam seus mandatos justamente porque exorbitaram do poder político ou econômico nas campanhas em que se elegeram, estabelecendo uma competição injusta com o adversário derrotado.

Fora o fato de que o TSE adotou uma tese estranha, dando o governo ao segundo colocado, na suposição de que ele venceria a eleição se não fossem os abusos do governador eleito, fica demonstrado que é possível perderse o mandato caso o abuso de poder econômico e político fique comprovado.

É claro que seria uma questão política delicadíssima anular a vitória de um presidente da República, e dificilmente essa decisão extrema será adotada.

Mas a simples lembrança dessa possibilidade deve servir de freio às tentativas de avançar limites na legislação.

O próprio presidente Lula já se preveniu contratando seu ex-ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, para ser seu conselheiro legal durante a campanha presidencial, justamente porque quer participar ativamente dela em favor de sua candidata, Dilma Rousseff, mas não pretende ser alvo de impugnações legais.

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