segunda-feira, maio 24, 2010

MARCO ANTONIO ROCHA

Quem avisa amigo não é, só é chato, acha o governo

Marco Antonio Rocha
O Estado de S. Paulo - 24/05/2010


Por que os economistas são sempre pessimistas? Pergunta recorrente de leitores e espectadores para os jornalistas de economia. "Calma aí" é a resposta que se pode dar. "Não é verdade que os economistas são sempre pessimistas. Os do governo são sempre otimistas."

Tudo "depende da posição social do indivíduo", diz o povo.

Os economistas que estão fora do governo - acadêmicos ou em empresas privadas - têm a obrigação profissional de advertir para problemas que podem surgir no caminho dos negócios e da atividade econômica em geral, assim como sugerir medidas para evitá-los e, se são da oposição, apontar o governo como causador desses futuros problemas, pelas medidas que tomou ou vem tomando.

Já os economistas que estão no governo têm de cantar conforme a música, cuja letra é "tudo vai pelo melhor no melhor dos mundos possíveis", como diria mestre Pangloss. Quando reclamam de alguma coisa, fazem alguma pequena crítica ou dizem de público que algo está indo mal, é porque a cúpula do governo não lhes está dando a atenção que gostariam em termos de recursos e apoio, e se sentem, portanto, meio boicotados.

No momento, por exemplo, os economistas de fora do governo estão advertindo que este início de recrudescimento da inflação é uma ameaça séria que requer medidas imediatas de contenção. Aliás, já faz algum tempo que vinham falando dos perigos da inflação, mas agora suas advertências estão sendo corroboradas pelos indicadores de preços.

No governo, alguns dizem que não há perigo nenhum; outros, que não querem arriscar alguma leviandade, dizem que de fato as coisas nesse terreno não estão totalmente tranquilas, mas que ainda estão sob controle. Ficarão, pois, atentos, dizendo como os médicos: se a febre continuar a aumentar, eles saberão o que fazer...

Bem, o fato é que inflação, no Brasil, é uma febre muito mais perigosa do que em países que, mesmo sendo emergentes como o nosso, tenham, todavia, tradição de inflação baixa. Aqui, se os preços começam a subir com uma margem um pouco maior do que vinham subindo, o instinto de defesa dos comerciantes, dos prestadores de serviços e mesmo do público - escaldado pelas várias décadas de inflação alta que já atravessamos - manda entrar na escalada porque as próximas reposições serão mais caras e, portanto, vai ser necessário mais capital de giro, que nos bancos custa os olhos da cara.

É imperativo acumular preventivamente esse capital. Nos países de maior tradição de estabilidade monetária, a reação do público é anticíclica, ou seja, se os preços sobem, as vendas caem e os preços acabam caindo. Aqui, se os preços sobem, o consumidor compra mais, porque se habituou a achar que amanhã será mais caro.

Lembram-se do perigoso hábito de estocar gasolina, no tempo em que seu preço aumentava toda semana? A propósito, o preço do etanol está baixando toda semana nos postos e é claro que ninguém sente necessidade de estocar etanol, mas a diferença com o preço da gasolina está aumentando, portanto não há dúvida de que muitos proprietários de carros só-gasolina estão recorrendo ao rabo-de-galo...

O que vale lembrar é que na inflação brasileira existe uma cultura interna ? um fator cultural endógeno, diriam os economistas ? que tende a acelerar o processo, mais do que em países com tradição de estabilidade monetária.

Por isso, os economistas de fora do governo, que há tempos vêm criticando a falta de medidas para conter o consumo e estimular a poupança, certamente estão com mais razão do que eles mesmo supõem.

Na semana passada, o Banco Central ? cujos economistas parecem ser os menos governistas dentro do governo  divulgou o seu Índice de Atividade Econômica, dando 9,85% de crescimento do PIB no 1.º trimestre do ano, sobre o 1.º de 2009. Não dá para a economia brasileira crescer num ritmo desse sem uma boa escalada da inflação. De par com isso, a arrecadação do governo aumentou 16,75% em abril, sobre abril de 2009, em termos reais, isto é, acima da inflação. Mesmo lembrando da base baixa (a retração de abril do ano passado), esse aumento da atividade e da arrecadação chega a ser assustador. E cabe a pergunta: quanto de inflação já não estará embutido no aumento da arrecadação?

Não é, portanto, fruto do pessimismo o vaticínio de alguns economistas de que, a continuar como estão as coisas, o futuro governante brasileiro pode encontrar um ambiente ominosamente semelhante ao que já deixamos para trás ? e que era uma espécie de "salve-se quem puder". Nada favorável ao desenvolvimento sustentável em que parecia que vínhamos entrando alegremente.

O presidente Lula, nas suas recentes andanças - não lembro se na Rússia ou no Irã -, disse, respondendo à pergunta de repórter, que o Brasil agora é um país sério e que nada haverá de temerário na administração da economia, no futuro governo, seja quem for o presidente.

Ele bem que poderia confirmar isso lançando já as medidas que evitem que o seu sucessor - seja quem for - acabe obrigado a temeridades para conter a famosa espiral de preços e salários. Ou o "rebolation" que sua candidata ainda não aceitou dançar...

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