domingo, maio 30, 2010

MANOEL CARLOS


Desencontros

Manoel CarlosREVISTA VEJA - RJNão tenho sorte. Saí de São Paulo e fui para o Rio, atrás do Felipe, um garoto que eu conheci no Carnaval, e lá me disseram que ele estava morando aqui. Vim atrás dele e, depois de vários dias procurando em todos os lugares possíveis e impossíveis, fiquei sabendo que ele não suportou a paz de Búzios e voltou para o Rio. Para o agito. Novo endereço e novo número de celular, ninguém soube me informar. Pô, não é uma tremenda falta de sorte?

O desabafo, quase em lágrimas, foi feito pela Ritinha, 21 anos, atriz que ainda corre atrás de uma oportunidade na televisão. Cenário do nosso encontro: Praia de Geribá, em Búzios, onde eu e a minha mulher estamos descansando há alguns dias, inaugurando as férias depois da novela. Aqui, mesmo no outono, o sol nasce, brilha e aquece, o que já tirou de mim a brancura de cal que a reclusão impõe.

E Ritinha continuou, os pés descalços na areia:

— Vejam vocês. O Felipe, que tanto quero encontrar, não encontro. E não é que o Gabriel, que pra mim não significa nada, já encontrei várias vezes aqui em Búzios, desde que cheguei? E olha que ele nem é do Rio, mas de São Paulo, muitos quilômetros longe daqui! Como explicar essa contradição?

E, antes que pudéssemos esboçar uma resposta, ela investiu mais uma vez, sempre interrogativa:

— Já me queixava da falta de sorte para conseguir um papel numa novela. De não ter a estatura que queria. De não emagrecer o tanto que preciso, apesar de severas dietas. De não reencontrar o Felipe. E, agora, de ter de fugir do Gabriel, que a todo instante aparece à minha frente, sorrindo e querendo conversar. Não acham demais?

No último dia 22, consagrado à Rita de Cássia, da nossa devoção, eu e Bety fomos à bela igreja que existe aqui em Búzios, e que leva o nome da santa das causas impossíveis. Fomos lá mais para agradecer do que para pedir, e, quando íamos saindo, encontramos novamente a bela Ritinha, que ia entrando.

— Santa Rita te espera, falou a Bety. Sua xará vai ajudar você a reencontrar o Felipe.

— Ah, eu já estive aqui tantas vezes, que a qualquer momento Santa Rita vai se cansar de mim, descer do altar e sair da igreja.

Esperamos por ela e fomos os três a um café na Rua das Pedras. Claro que, para animar nossa jovem amiga, contestamos sua falta de sorte e contamos alguns casos de desencontro que conhecemos. Lembrei, inclusive, do Samba da Bênção, de Vinícius de Moraes e Baden Powell, em que o poeta declara que “a vida é arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”. E que nem por isso as coisas acabam sempre mal.

Ao fim do café com leite e duas porções de pão de queijo, todo o lamento de Ritinha se resumia unicamente ao desencontro com Felipe e ao encontro forçado e constante com Gabriel. Isso a afligia mais do que a falta de oportunidade profissional, a pouca estatura e os quilinhos a mais na balança. Afinal, quase sempre é ao redor dos sentimentos que a tristeza alcança as mulheres.

Já de volta ao hotel, lembrei-me de quatro versinhos que conheço há muitos anos e que resumem todo o desgosto de Ritinha e sua declarada falta de sorte na vida sentimental:

Quem eu quero, não me quer.
Quem me quer, eu não desejo.
Todo dia vejo quem me quer,
quem eu quero nunca vejo!

Pensei em mandar essa quadrinha à Ritinha, mas desisti. Afinal, os versos não explicam os desencontros da vida. Apenas os confirmam. Pelo que pudemos perceber, não é do que Ritinha está precisando. É do Felipe.

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