terça-feira, maio 25, 2010

BRASIL S/A

New look de Dilma
Antonio Machado

CORREIO BRAZILIENSE - 25/05/10

Candidata muda visual, assume o zelo fiscal e diz que é chegada a hora do mercado de capitais


Ao se definirem os nomes de Dilma Rousseff e José Serra à disputa pela sucessão do presidente Lula, empresários e economistas faziam careta quando indagados sobre o que seria o governo com um deles na Presidência, expressando que teria um ligeiro viés antimercado.

Ambos seriam dirigistas, com Serra mais propenso a afinar o gasto público. E Dilma, a favorecer a ampliação do Estado. Suposições.

Uma série de eventos nos últimos dias começa a provocar mudanças sensíveis nessa percepção, deixando Serra isolado na argumentação contra o Banco Central, a gastança fiscal e o dirigismo moldado a la anos 1960 — um dos preconceitos, no mundo empresarial, contra esses ex-alunos da Unicamp, considerados discípulos do pensamento estruturalista da velha Cepal, a Comissão Econômica para a América Latina. Pelo menos de público, Dilma mudou suas concepções.

A ex-ministra de cara brava, suavizada pelas mãos hábeis de Celso Kamura, o cabeleireiro das poderosas de São Paulo, também aprendeu a falar o que o mercado financeiro quer ouvir com a ajuda de outro craque — o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci. Olhos e ouvidos de Lula na campanha de Dilma, Palocci é cada vez mais influente na transformação da técnica fria em liderança política convincente.

No teste a que se submeteu em Nova York, na última sexta-feira, a ex-ministra foi aprovada com aplausos ao discursar para executivos de Wall Street num dos eventos à margem da homenagem ao presidente do BC, Henrique Meirelles, distinguido como Homem do Ano segundo a Câmara de Comércio Brasil-EUA. Palocci, com a ajuda de Meirelles, abriu as portas de Wall Street para Dilma. Mas ela falou por si.

Dilma se mostrou segura tanto quanto a autonomia que defendeu ao BC, marcando posição em relação a Serra, que fala o oposto. E fez mais: contrariando a percepção dos mercados, ela tomou também de Serra a preocupação fiscal, conforme a reconstituição de sua fala pelo jornalista Alex Ribeiro, do Valor. Dilma associou a queda da dívida pública à “redução significativa da taxa de juros real”.

Agora é ela. Não é ele
Uma declaração dessas já define uma política econômica. Mas Dilma julgou necessário aprofundá-la. Dissociou-se da ideia dos mercados segundo a qual, se eleita, priorizaria o investimento público sob a marca do PAC em detrimento da responsabilidade fiscal.

“Primeiro”, disse, “definimos uma meta fiscal, que era a dívida pública cair a 30% do PIB, depois, os investimentos do PAC”. Vá lá que Lula, nos últimos dois anos, trata a receita como se fosse de borracha, e aprova gastos, com Dilma de co-piloto, bem além do que permite a consistência macroeconômica. Mas agora é ela. Não é ele.

Elogios de Wall Street
Em campanha eleitoral, palavra de candidato muita vezes é como a folha solta levada para cá e para lá conforme o vento. Dilma tem a seu favor o bom momento da economia. Os mapas dos gastos públicos, em contraponto, dão solidez ao discurso fiscalista de Serra, além da contraprova do novo ciclo de alta dos juros pelo BC. A questão, hoje, é quem melhor amarra os fatos às contradições e faz disso um sopão racional e crível para a política econômica no pós-Lula. Com sua estreia elogiada no palco de Wall Street, Dilma leva vantagem.

Bem mais que “trololó”
Em Nova York, Dilma levou seu discurso ao território de 2011, ao declarar que “a crise mostrou que foi muito importante que o país tivesse bancos públicos”. E daí? Daí que o financiamento de longo prazo, hoje virtual monopólio do BNDES e de capitais estrangeiros, não pode ser feito, segundo ela, só com bancos públicos.

“Nós atingimos o limite”, disse ela. Fez mais: reconheceu uma das maiores fragilidades para a continuidade do crescimento alavancado a investimentos nos próximos anos. Sem remover essa barreira, que implica criar poupança pública, o crescimento termina por exaustão do processo — mas com a culpa atribuída aos juros altos do BC.

Dilma não apontou o atalho fiscal como saída para o financiamento de longo prazo. Indicou o mercado de capitais doméstico, que é dos mais importantes para calçar o investimento, mas que não prescinde da base fiscal. Tudo bem. O que revelou foi mais que “trololó” — como Serra diria. Foi propositiva, o que é muito para uma eleição.

A ideia que pegou
A fala de Dilma chamou a atenção não só por sua vontade de não se indispor com o mercado financeiro, que não elege ninguém, mas pode quebrar as pernas de qualquer político, como tem feito neste tempo de crise na Europa. E quase tira o doce da boca de Lula em 2002.

O destaque, segundo lideranças empresariais, foi a sua coragem em abrir tanto sobre o seu projeto para a economia diante de platéia que não engole demagogia e tem meios de cobrar compromissos, como o pessoal da banca nova-iorquina. O que ela expôs parece ter base.

Dois dias antes, em Madri, com Lula ao seu lado, Luciano Coutinho, presidente do BNDES, também afirmou a empresários europeus que “a pergunta relevante é como financiar a expansão do investimento”, e falou em parceria com o sistema financeiro para alongar o crédito e os instrumentos de poupança, hoje focados no curto prazo.

Isso é mais que discurso: um grupo de talentos na área se debruça na formulação de propostas para apresentá-las antes das eleições, como contribuição ao debate. A ideia do progresso pegou no país.

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