sexta-feira, maio 21, 2010

BRASIL S/A

Chutando o balde
Antonio Machado

CORREIO BRAZILIENSE - 21/05/10

Europa pisca, especulação ataca, Alemanha reage, euro sobe, e a guerra entre titãs continua


Pelo sexto dia seguido os mercados financeiros globais chutaram o balde na Europa, reagindo crescentemente mal aos esforços da União Europeia para limitar o desastre da virtual insolvência da Grécia, tratada pro forma como crise de liquidez, e salvar a credibilidade do euro. Está difícil: a União Europeia nunca esteve tão desunida.

A sensação é que cada país da zona do euro procura, primeiro, seu conforto em meio ao incêndio que ameaça chegar a outras economias pesadamente endividadas da região, como Portugal, Espanha, Itália, Irlanda e Inglaterra, e só depois o do conjunto. A solidariedade é pouca, e isso numa região que tenta conviver com velhos rancores.

Mais por eles, depois da 2ª Guerra, é que se partiu para a união — que começou com o livre comércio na região e veio dar em 2002 no euro —, que estritamente por razões econômicas. Velhas rivalidades foram trocadas pela convivência pacífica e solidária, bastando aos sócios, em síntese, cumprir critérios de desempenho fiscal — como deficit público de até 3% do PIB e dívida pública abaixo de 60% do PIB — totalmente superados pelo colapso do crédito no mundo.

A economia alemã, a mais forte, sempre foi a referência do euro e da união econômica. Nada perdeu: na Europa está o maior mercado de suas exportações. Mas desde o salve-se quem puder da grande crise global, que vem do fim de 2007 nos EUA, a região não se preparou em bloco para o tranco. Ao contrário, se viu recebendo os fluxos financeiros de países e investidores desconfiados do dólar.

Não atentou que o processo atrairia a atenção dos aplicadores de curto prazo, cujo negócio é arbitrar diferenças de taxas cambiais e de juros, o que inclui os fundos de hedge, bancos e até mesmo as mesas de títulos e moedas dos bancos centrais, e todos de olho nas contas públicas de cada país. É quando se descobre o que se sabia.

A primeira descoberta é que a economia europeia, muito engessada por pactos sociais e pela política do Estado de bem-estar, seria a que mais sofreria com a crise global. Não é pouca coisa: a Europa, em conjunto, é a maior área econômica do mundo. É lá que está, por exemplo, o maior mercado da China — e ambos são, hoje, os maiores importadores do Brasil, deixando para trás os EUA. O tombo do euro não abalaria apenas a Europa. Mas nem isso serviu para sacudi-los.

Grécia foi o estopim
E aí veio o novo governo da Grécia, em outubro passado, e começa a tragédia europeia. Revela-se que a Grécia fraudara suas contas. A dívida e o deficit eram muito maiores do que se suspeitava.

O mercado se retraiu para os títulos da Grécia, esperando o que levou meses para que se confirmasse: o aval da União Europeia para os papéis de emissão de seus membros. A ajuda enfim aprovada de 110 bilhões de euros supostamente garante todos os vencimentos de papéis da dívida pública grega por três anos. O Banco Central Europeu (BCE) mudou de concepção e passou a comprar papéis. Mas a crise seguiu.

União desunida e lenta
Uma semana depois da decisão de lançar uma boia à Grécia, líderes da UE se reuniram para fazer mais: outro pacote, este de até 750 bilhões de euros, incluindo dinheiro do Fundo Monetário Internacional (FMI), para socorrer outros países do euro. Foi pensado para aliviar a tensão sobre Portugal e Espanha, cujas dívidas caminham para o cadafalso.

Também não bastou para esfriar o caldeirão em que ferve o euro. A Europa já se mostrara como uma união de desunidos, sem lideranças fortes, e lerdos para decidir. O pacotão depende de aprovação dos parlamentos, o que ainda está em curso — e a compra de papéis pelo BCE se faz em conta-gotas como se não houvesse uma emergência.

EUA entram na briga
De mal parada a situação na zona do euro recrudesceu para guerra aberta. O mercado desafiou o euro. “Os especuladores não atacam os fortes, só os fracos”, disse Marc Chandler, diretor do Brothers Harriman, um gestor de fundos dos EUA. E Angela Merkel, chanceler da Alemanha, topou a briga. “Esta é uma luta dos políticos contra os mercados”, disse ela dias atrás. “Estou determinada a vencer.”

Anteontem, Merkel proibiu as operações de vendas a descoberto no mercado futuro. E o mercado cuspiu fogo. As bolsas globais caíram ainda mais, as operações interbancárias encolheram e parceiros de Merkel na Europa reclamaram da decisão unilateral.

A luta continua. Nos mercados, a aposta de que o euro cairá a US$ 1,15 em três meses concentra 36% dos contratos. Mas o euro virou de US$ 1,22 para US$ 1,25, com a ajuda não confirmada do Fed, o BC dos EUA, e de outros países. Nada está certo nesta luta de titãs.

Abutres fazem a festa
Enfrentamentos entre coalizões de financistas e governos até hoje só enriqueceram os abutres. O caso mais notório opôs a Inglaterra a George Soros, então um desconhecido, em 1992, e a libra perdeu. Ficou conhecido como “o homem que quebrou o Banco da Inglaterra”.

No fim de 1998, o BC sustentou a cotação do real, para dar tempo a Fernando Henrique se reeleger, e terminou sem reservas, então da ordem de US$ 62 bilhões. Vieram FMI, a maxidesvalorização do real, juros no espaço e recessão. Nos dois casos, conforme a máxima de Soros, havia uma premissa falsa, a moeda forte, e a presunção dos governos de que poderiam peitar o mercado. A Europa esta assim. Hoje, a coordenação entre os países é maior, mas a globalização financeira se dá em tempo real. Sorte que essa briga não é nossa.

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