sábado, abril 24, 2010

NAS ENTRELINHAS

Sobre bombas e entrevistas 

Leonardo Cavalcanti
CORREIO BRAZILIENSE - 24/04/10

Imagine você — minha senhora, meu senhor — ter um amigo que, na hora de pedir um favor, o procura pessoalmente, mas no momento de informar sobre a impossibilidade de convidá-lo para uma festa manda uma terceira pessoa
 

Entrevistas com políticos são quase sempre falsas, como quase sempre falsos são os políticos. Eles falam o que querem. E quando não querem, fogem dos temas e, por mais preparado, um repórter acaba refém de respostas mentirosas ou pela metade. Os jornais, porém, sempre pautaram o ping — que, no jargão jornalístico, é o recurso de usar perguntas e respostas no papel. Tal contradição ocorre porque de uma forma ou de outra, nós, jornalistas, esperamos que o entrevistado fale algo novo, uma revelação, ou pelo menos analise de forma diferente da comum sobre determinado acontecimento. Quase sempre o tiro é na água. As entrevistas acabam se transformando num martírio para o leitor. Há exceções.
E uma dessas exceções ocorreu na quarta-feira, na entrevista do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Correio. Nela, Lula antecipou como iria rifar Ciro Gomes. O petista falou mais, principalmente sobre as estratégias de campanha de Dilma nos palanques estaduais. Mas fiquemos com Ciro, o homem-bomba, que ontem explodiu. Na terça-feira, o dia em que Lula concedeu a entrevista à reportagem deste jornal, Ciro ainda era uma bomba a ser desarmada. Ao ser questionado sobre o deputado do PSB, o presidente foi claro: “Pretendo conversar com Ciro na medida em que a direção do PSB entenda que já é o momento”. A revelação em uma frase. Lula, tal qual um comandante militar, enviaria a campo um cabo-armeiro — no caso os políticos do PSB — e tentaria se manter à distância da bomba.
Os cuidados 
O petista antecipava ali a estratégia montada com o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB). O presidente não iria dizer diretamente para Ciro que ele estava fora do páreo pelo Planalto. Isso seria feito pelos donos do PSB, mas indiretamente. Chegariam para o político cearense e apresentariam a relação de apoios à candidatura própria. Apenas oitos dos 27 diretórios regionais do partido estão firmes com Ciro. O restante deles é mais pragmático e precisa de alianças. Os integrante do PSB tentariam dizer tudo isso com a maior elegância para evitar uma explosão de fúria do homem que quer ser presidente do Brasil, mas para isso precisa de um partido que o apoie. O plano partidário foi colocado em prática na manhã de quinta-feira. Deu tudo errado. Ciro, que cada vez menos frequenta Brasília, saiu da cidade irritado, pegou o primeiro voo em direção a São Paulo. Irritado, prestes a explodir. Lula sabia que isso iria acontecer, por isso mandou o PSB na frente.
O problema é que quando precisou de Ciro, Lula pediu pessoalmente para ele transferir o título para São Paulo. O deputado não queria, mas concordou. Na entrevista ao Correio, entretanto, Lula disse “ter achado interessante quando ele (Ciro) transferiu o título para São Paulo porque era uma probalidade”. Veja bem, Lula não achou apenas “interessante”, o petista queria Ciro candidato a governador para infernizar a vida do tucano José Serra. Não conseguiu. Porque o homem-bomba queria a Presidência. O curioso é que no momento em que era necessário informar a Ciro sobre a saída da corrida eleitoral, Lula enviou interlocutores. Imagine você — minha senhora, meu senhor — ter um amigo que, na hora de pedir um favor, o procura pessoalmente, mas no momento de informar sobre a impossibilidade de convidá-lo para uma festa manda uma terceira pessoa.
O estouro
O problema para Lula é que todo mundo sabe que Ciro não vai ficar simplesmente calado. Vai atacar, como ameaçou ontem mesmo, antes do raiar do dia. Reportagem do portal IG apontou que Ciro já começava a mandar recados para Lula, Dilma e o PMDB. “Lula está navegando na maionese”, disse Ciro, segundo o site. “Ele está se sentindo o Todo-Poderoso e acha que vai batizar Dilma presidenta da República. Pior: ninguém chega para ele e diz: ‘Presidente, tenha calma’. No primeiro mandato eu cumpria esse papel de conselheiro, a Dilma, que é uma pessoa valorosa, fazia isso, o Márcio Thomaz Bastos fazia isso. Agora ninguém faz.” Resumo da história. Lula avisou o que iria fazer, achou que iria dar certo. Deu no que deu. Ciro está longe da disputa ao Planalto, mas não do calcanhar de Dilma.

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