domingo, abril 18, 2010

MÍRIAM LEITÃO

Bloco desigual
MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 18/04/10

A minha parte favorita do PAC chinês é aquela que prevê intercâmbio entre os partidos brasileiros e o Partido Comunista Chinês. O que será que os partidos brasileiros podem aprender com eles? Talvez ensinem como controlar de forma tirânica um país continental por 60 anos, submeter tibetanos, matar estudantes numa praça e censurar a internet.

Poderia ser, também, como criar uma reserva de mercado para os militantes do partido em todos os postos importantes da burocracia, e assim ocupar a máquina do Estado. Mas para isso já há tecnologia local.

Na área comercial, é interessante a parte do acordo em que os dois países se comprometem a intensificar medidas para a exportação de carne suína, porque os chineses acabam de fazer o oposto. O empresário Pedro de Camargo Neto, da Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abipecs), foi surpreendido, na quinta-feira, com o anúncio de mais um adiamento da visita sanitária que o governo chinês faria ao Brasil, em maio. Isso é uma etapa obrigatória para suspender o embargo à carne brasileira.

— Lula esteve na China em maio, e eles disseram que mandariam uma comitiva ao país. Nada aconteceu.

Estive na China em fevereiro, e eles disseram que mandariam a comitiva no final de maio. Hoje, fico sabendo que a vinda foi adiada para setembro. A impressão é que os chineses só querem vender, nunca comprar.

O Brasil faz papel de bobo nessa relação — disse o empresário.

O acordo entre os bancos de desenvolvimento finge tornar iguais criaturas totalmente diferentes. A China tem uma taxa de poupança de 53%, e no Brasil se comemora quando ela chega a ser 18%. O BNDES disse que uma das modalidades será assim: Brasil e Índia fazem um projeto que é financiado pelos bancos dos dois países e cofinanciado por um terceiro. Imagine o contrário: o BNDES cofinanciando um projeto russoindiano? Hoje, o Brasil tem sido principalmente exportador de commodities. O Brasil exporta minério e soja, como a Rússia exporta petróleo. A China tem exportado produtos de valor agregado, e a Índia tem investido em tecnologia de informação.

— Não é preciso muito esforço para vender matériaprima — diz José Augusto de Castro, da AEB.

Em 2009, pela primeira vez a Índia ultrapassou o Brasil no comércio internacional.

Foram US$ 155 bilhões em vendas, contra US$ 153 bilhões do Brasil. Uma virada dos indianos, que em 1980 exportavam menos da metade do valor brasileiro: US$ 8 bilhões contra US$ 20 bi. A arrancada foi puxada pela venda de manufaturados e de serviços, produtos com maior valor agregado, como carros, computadores e softwares.

A economia indiana conseguiu crescer mais em 2009 (7%) do que em 2008 (6,7%).

A explicação para o bom desempenho está na alta taxa de poupança do país, em torno de 37% do PIB, mas o governo abriu um enorme déficit nas contas públicas com os programas de estímulo. A previsão da agência Fitch é que em 2010 e 2011 o país vai crescer 8% e 8,5%. Mas o crescimento está aumentando perigosamente a inflação.

A China anunciou na quintafeira que o PIB do primeiro trimestre fechou com alta de 11,9%, e o temor de novo é de superaquecimento. Parte desse desempenho é turbinado pelo que mais prejudica o Brasil e o resto do mundo: um câmbio absolutamente artificial.

O que torna a relação comercial chinesa desleal.

Os analistas que acompanham as relações comerciais entre os dois países dizem também que o Brasil é passivo diante das decisões chinesas.

Rodrigo Maciel, do Conselho Empresarial BrasilChina, acredita que os investimentos chineses serão maiores nos próximos anos, mas diz que os produtos brasileiros têm dificuldade de entrar na China, principalmente os agrícolas. Com 60% da população vivendo no campo, cerca de 800 milhões de pessoas, o país não vai abrir sua economia.

— Na rodada Doha, China e Brasil estão em lados opostos na questão agrícola. Os Bric não são um bloco formado, e não acredito que possam vir a ser. Os interesses são muito diversos, principalmente na questão agrícola — afirmou Rodrigo Maciel.

José Augusto de Castro acha que o Brasil, na relação com a China, não consegue tirar proveito nem quando está em situação de vantagem, como na soja, onde há apenas três grandes produtores: Brasil, Estados Unidos e Argentina. Ele teme que os chineses tentem impor preços baixos jogando com a possibilidade de comprar mais da Argentina.

— Nada que a China faz acontece por acaso. Eles têm planejamento em suas ações e fazem o que querem com o Brasil. No caso da soja, o cenário é amplamente favorável, e não conseguimos tirar proveito. A China já está negociando isoladamente com a Argentina, e vai conseguir impor preços mais baixos ao Brasil. Precisamos endurecer o jogo, a exemplo do que faz a Vale na negociação do minério de ferro — disse.

Dos Bric, a Rússia foi o mais afetado pela crise: recessão de 7,9% em 2009. O sétimo pior resultado de todos os países analisados pela Fitch. A previsão para este ano é de crescimento de 4,5%.

A recuperação deve ser puxada pelo aumento do preço do petróleo. A inflação também é um problema, mas a crise derrubou a taxa de 13,3% para 8,8%.

Encontros como esse são importantes e serão cada vez mais frequentes com o aumento do peso do Brasil, mas é bom separar delírio de fato.

Os quatro países que formam a sigla Bric não formam um bloco, são diferentes, e em algumas questões são antagônicos.

Há vários interesses comuns, muitos negócios bons para todos os lados, mas é preciso evitar o delírio de que está se formando uma liga contra os “outros”, e ser mais pragmático na defesa de nossos próprios interesses.

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