terça-feira, abril 13, 2010

MÍRIAM LEITÃO

Curto alívio 

O Globo - 13/04/2010

A bilionária oferta européia de socorro à Grécia põe fim a um dilema da Zona do Euro: se deveria ou não resgatar países encrencados por dificuldades fiscais.

Ontem, o euro subiu, e o custo da dívida grega diminuiu, mostrando que o mercado viu com bons olhos o fim do dilema. Mas os problemas ainda estão longe do fim, e o alívio é apenas de curto prazo. A médio e longo prazo, a dúvida grega continua.

É o que pensa, por exemplo, o economista Ilan Goldfajn, do Itaú Unibanco: — O mercado olha para o futuro da Grécia, com uma dívida de 113% do PIB, um déficit de 12% e juros de 7%, e conclui que isso é explosivo.

Os juros caíram ligeiramente com a oferta do pacote de ajuda, mas a situação ainda é difícil.

A preocupação com a Grécia fez com que surgissem, pela primeira vez, dúvidas sobre o sistema monetário europeu. A Zona do Euro continua forte, mas apareceram incertezas sobre se é possível manter a mesma moeda para economias com pesos e situações fiscais tão diferentes.

— No começo, todos os países passaram a pagar juros alemães. E foi uma festa.

A “prestação”, digamos, ficou mais baixa. Mas agora, quando entra a crise, os países descobrem que não têm uma ferramenta. Não podem desvalorizar a moeda para ajudar a resolver os problemas — diz Ilan.

Ele registra ainda que o prêmio de risco da Grécia caiu ontem, mas o mercado continua achando o pacote de ajuda financeiro muito abstrato.

Mas há boas notícias em outras frentes da crise da economia mundial, que começou em 2008. Economias se recuperam, e isso vai gerando um circulo virtuoso.

Ontem, o “Wall Street Journal” noticiou que o custo para o contribuinte americano da ajuda aos bancos e empresas está encolhendo, com os pagamentos feitos pelos bancos e com a venda de ações que foram compradas pelo Tesouro.

Ilan acha, no entanto, que subsiste uma dúvida: — Até que ponto essa recuperação da economia se deve aos estímulos econômicos e aos juros zero? Nada disso durará para sempre.

Todos sabiam que viria em algum momento uma crise fiscal. Ela veio mais rápido do que se esperava, e a Grécia é apenas o primeiro sinal.

— A água que estava na altura do nariz, agora volta para o queixo — diz o economistachefe da Austin Rating, Alex Agostini.

Depois do anúncio, os juros pagos pelos gregos caíram de 7,2% para 6,5%.

Queda forte para um único dia, mas que ainda os deixa acima da última captação, que teve juros de 5%. Parte da estratégia do pacote é justamente derrubar os juros, para que os gregos possam fazer novos empréstimos.

Seria uma forma de dividir a conta com o mercado. Ontem, os juros gregos atingiram a menor diferença dos últimos três meses em relação aos juros pagos pelos alemães.

A situação da Grécia não é simples: o país tem, em 2010, C 53 bilhões em dívida para rolar. Somente no mês de maio, são C 11 bilhões.

A dívida total é calculada, na melhor conta, em C 300 bilhões, cerca de 113% do PIB. A Zona do Euro colocou C 30 bilhões à disposição do país, e o FMI pode entrar com mais C 10 a 15 bilhões. Tudo isso, este ano. Ao todo, o pacote pode chegar a C 80 bi. Mas, nos próximos três anos, a Grécia tem C 150 bilhões em vencimentos para pagar.

Agostini acha que é muito difícil que a Zona do Euro e o FMI queiram financiar tudo isso: — O problema não foi resolvido de forma definitiva.

O pacote só dará certo dentro de um contexto de recuperação — afirmou.

A análise do banco Morgan Stanley é de que o risco de longo prazo continua intacto. Para piorar, o banco prevê que a economia grega sofrerá retração de 2,5% este ano: “Enquanto os riscos de curto prazo diminuíram, os riscos de insolvência no longo prazo continuam firmes no mesmo lugar”, disse o banco em relatório.

O economista-chefe do banco West LB, Roberto Padovani, acha que o problema grego deixou de ser a moratória e passou a ser o baixo crescimento. Ele aponta para o risco de uma espiral negativa no país, como houve na Argentina, em 2001.

— O governo cortará gastos para diminuir o déficit público, só que isso pode também desacelerar a economia e diminuir a arrecadação.

Aí o governo cortará mais gastos, a economia voltará a desacelerar, e a arrecadação também.

Nesse contexto, haveria fuga de investidores. Por isso, a recuperação global é importante — explica.

Álvaro Bandeira, da Ágora Corretora, acredita que o pacote diminui o ataque especulativo ao euro. Ontem, o euro se valorizou 1,4% em relação ao dólar, cotado a US$ 1,3691, a maior cotação das últimas três semanas, mas depois de ter caído 14% em quatro meses.

— O mercado ainda olha com certa prudência. Outros países, como Espanha, Portugal, Irlanda e Itália, também devem precisar de ajuda. Outro ponto de dúvida é como a Itália, que está com problemas, participará do socorro à Grécia.

De uma maneira geral, todos os países estão com problemas fiscais — disse.

O pacote grego é um alívio de curto prazo, mas a crise que começou em 2008 ainda continua produzindo seus desdobramentos.

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