terça-feira, abril 13, 2010

MARCOS NOBRE

Nem bandido nem mocinho
FOLHA DE SÃO PAULO - 13/04/10

A DEMOCRACIA BRASILEIRA não teria avançado tanto desde 1988 se a Constituição não tivesse dado ao Ministério Público (MP) as atribuições e prerrogativas que deu. O MP se interessou sempre por aquilo por que ninguém se interessa. Em um país sem educação, procurou fazer cumprir as leis e falar por quem não recebeu condições para exercer plenamente seus direitos.
É contra tudo isso que se volta a chamada "Lei Maluf", atualmente em tramitação no Congresso.
A simples ideia de que um insigne capacho da ditadura militar possa dar nome a uma lei já é infame por si mesma. Sim, trata-se de legítimo representante do povo.
Mas cuja base eleitoral é resquício do autoritarismo e da intolerância produzidos por mais de 20 anos de ditadura.
Dito isso, não cabe fazer da discussão sobre o papel do MP um pastelão em que só há bandidos e mocinhos. Uma discussão em que só se pode ser contra ou a favor não permite discutir nada a sério.
O atual espírito de corpo do MP se formou na luta contra o autoritarismo, o preconceito e a ignorância. A impressão que se tem, no entanto, é a de que o MP continua a se colocar em posição de vanguarda, como se o Estado de Direito estivesse em perigo como antes, como se todos os demais órgãos do Estado fossem inimigos da democracia.
O resultado é que o MP corre hoje o risco de se isolar e mesmo de se tornar um freio a possíveis avanços institucionais. Isso porque seu ímpeto transformador pode acabar se revertendo em mero paternalismo.
Pode ajudar a perpetuar a situação que pretende combater, mantendo cidadãs e cidadãos na posição de incapazes de exercer por si próprios seus direitos, de discernir por si mesmos seus verdadeiros interesses. Riscos que se tornam ainda maiores em vista da atual tentativa de rever a sábia proibição de que integrantes do MP que ingressaram depois de 1988 possam se candidatar a cargos eletivos no exercício do cargo.
Diante da nova situação histórica da democracia e do MP, o Congresso Nacional deveria responder com a rejeição da proposta infame de Maluf e, ao mesmo tempo, com um expressivo incremento de verbas para o Conselho Nacional do Ministério Público. Basta comparar a dotação desse órgão de controle externo com a do seu equivalente para o Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça, para que se veja o quanto ainda precisa ser feito.
E o MP como um todo deveria estar coeso no apoio a esse órgão de controle democrático de sua atuação, dando o exemplo de transparência que, com legitimidade e rigor, exige de qualquer agente público ou privado.

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