sexta-feira, abril 30, 2010

LUIZ GARCIA

Dormindo na gaveta
LUIZ GARCIA
O GLOBO - 30/04/10

Articulista, como se sabe, não apura fatos: comenta-os. A única exceção conhecida neste alto de página é o Zuenir, mas a gente perdoa. São entusiasmos comuns nos mais jovens. E o Zu até hoje recusase a envelhecer.

Isto posto, aproveitemos um irônico levantamento do pessoal do “Congresso em Foco” sobre o entusiasmo legiferante do nossos senadores e deputados, estes mais do que aqueles. Juntos, são responsáveis por 2.472 projetos que dormem o sono dos esquecidos na Câmara e no Senado.

A maioria, com justa causa. Por exemplo, uma proposta do deputado Jair Bolsonaro, que aguarda decisão do plenário há nove anos. Ele determina como deve se portar quem ouve o Hino Nacional.

Não pede apenas uma atitude, digamos, genérica de respeito. Exige “mão direita espalmada, dedos unidos sobre o peito até os acordes finais.” Por quê? Porque é assim que ele gosta.

É ridículo, mas também denuncia uma mentalidade, digamos, autoritária: o cidadão não pode escolher a sua própria atitude de patriótico respeito pelos intermináveis versos de Duque Estrada. Teria de ser como o deputado acha mais bonito.

Outras propostas foram atropeladas pelo calendário. Exemplos: a que designava 2002 como Ano do Educador e outra que fazia de 2007 o Ano de Combate à Mortalidade Materna. Os anos escolhidos começaram e acabaram sem que fossem votadas.

No rol dos projetos esquecidos há também temas respeitáveis. Como o daquele que desapropria terras de fazendeiros que contrataram lavradores em condições degradantes: passou no Senado, chegou a ser aprovado em primeira votação na Câmara, e daí foi para a gaveta, onde dorme até hoje o sono inquieto dos injustiçados. Ou a proposta de taxação mais severa das grandes fortunas, de ninguém menos do que Fernando Henrique Cardoso; o Senado aprovou, a Câmara embalsamou.

Outras ideias são pelo menos originais.

Como a que determina que cidadãos idosos tenham o direito de morar no andar térreo de conjuntos habitacionais.

Ou a que estabelece o direito de comissários de bordo a poltronas e beliches em voos noturnos.

Esta dorme — mal acomodada, certamente — desde 1989.

Essa situação indica duas coisas. Primeiro, que há senadores e deputados quer sofrem de fúria legiferante. Depois, que o processo legislativo é bem menos ágil do que poderia ser. E a sua morosidade é, por assim dizer, democrática: tanto prejudica propostas bizarras como ideias dignas de atenção, caso do projeto de Fernando Henrique.

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