sexta-feira, abril 09, 2010

LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS

Uma viagem à China de hoje
FOLHA DE SÃO PAULO -  09/04/2010


Ainda bem que a economia brasileira está ligada de forma muito forte ao desenvolvimento chinês

A CABO DE chegar de uma viagem à China. Foram 15 dias conversando com autoridades do governo e visitando algumas fábricas de automóveis e caminhões na região sul do país de Mao. Não foi uma viagem de turista, mas a de um observador da dinâmica econômica desse incrível país.
Uma primeira observação é a de que, mesmo na capital, Pequim, podemos encontrar, lado a lado, a moderna e a velha China. No interior, esse contraste é ainda mais chocante. De um lado, as construções modernas e mesmo futuristas do boom imobiliário dos últimos anos. De outro, os velhos becos com suas casas modestas e empilhadas uma ao lado das outras. Junto aos modernos hotéis, administrados pelas cadeias internacionais mais famosas, podemos encontrar nos bairros mais afastados da milenar capital chinesa ainda os restaurantes populares que vi na minha primeira viagem, em 1984.
Mas, como disse anteriormente, o meu centro de atenção era a moderna economia chinesa e a forma como está organizada hoje. A presença do Estado é dominante. Em conversas com dirigentes de bancos e outras empresas estatais, isso fica muito claro. Todos estão amarrados a prioridades e metas dos Planos Quinquenais herdados da época do comunismo ortodoxo. E o respeito hierárquico ao quadro de dirigentes políticos do país é absoluto.
Mas aprendi também que, embora o Estado seja o controlador das empresas, existe entre elas uma profunda competição por mercados e eficiência, inclusive lucros. E os resultados obtidos na gestão das empresas é um dos mais importantes indicadores para subir na hierarquia do governo.
A geração atual de dirigentes chineses é quase toda formada por engenheiros que administraram com sucesso a implantação da gigantesca usina hidrelétrica de Três Gargantas. Essa característica de meritocracia -não baseada em bônus financeiros mas de poder na esfera política- talvez seja uma das causas mais importantes por trás do sucesso chinês nesta última década.
Por outro lado, percebe-se que o país de referência para a elite chinesa são os Estados Unidos. Um dos dirigentes com quem conversei longamente me perguntou por que a China é obrigada a comprar a soja brasileira de multinacionais americanas.
Procurei explicar as características especiais da relação comercial e financeira dessas empresas com os agricultores brasileiros, mas temo que não tenha sido entendido. E não por culpa do meu excelente tradutor chinês.
Outra surpresa foi encontrar nas empresas visitadas uma preocupação muito forte com a absorção de tecnologia ocidental e uma busca na melhoria de seus produtos. Fica claro que existe uma diferença muito grande na tecnologia usada nos produtos para exportação e para o mercado local. Mas, no longo prazo, o setor industrial vai superar o atraso atual em relação às economias mais avançadas e assumir a liderança em setores de ponta.
Outro motivo de espanto, em reunião com o dirigente de uma enorme fábrica de motores, foi saber que os operários trabalhavam oito horas por dia, 28 dias por mês. Lembrei-me de que, no Brasil, os sindicatos estão tentando aprovar no Congresso uma lei que limita em 40 horas a semana do trabalhador.
Ainda bem que a economia brasileira está ligada de forma muito forte ao desenvolvimento chinês. Essa vai ser uma das fontes mais importantes para nosso crescimento econômico na próxima década. É só ter juízo.

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