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Desastres naturais atingem igualmente países ricos e pobres, cidades organizadas e bagunçadas. As consequências, porém, são tão desiguais quanto a renda. Um terremoto violento mata mais de 200 mil no Haiti, menos de mil no Chile e menos de dez no Japão. Não se trata apenas de dinheiro, mas de cidadania. Prédios sólidos, equipamentos urbanos adequados, isso se faz com recursos materiais, mas também com as pessoas e empresas respeitando as regras de construção e de zoneamento, o que é também uma característica de sociedades desenvolvidas. Logo, não faz sentido reclamar que o Rio não tem sistemas de prevenção nem de reação às catástrofes semelhantes aos encontrados nos Estados Unidos, na Europa desenvolvida ou no Japão. Essa foi a resposta de muitas pessoas diante das críticas feitas à ação (ou inação) dos três níveis de governo (federal, estadual e municipal), diante do desastre do Rio. É como se dissessem: com o que temos, com o que somos, está mais que bom. Será? A Itália (com renda per capita em torno de US$ 30 mil) é quase tão rica quanto o Japão (US$ 32.500), mas os japoneses lidam muito melhor com as catástrofes. A diferença é cultural, vem tanto do respeito às leis quanto da qualidade dessas leis. Depende do modo como as pessoas se comportam em sociedade, mas depende muitíssimo da eficiência dos governos. Ou seja, com o que temos, com o que somos, poderíamos fazer melhor. Basta verificar o perfil do gasto público brasileiro, em qualquer instância de governo. O que se aplica em infraestrutura está sempre abaixo não é nem do ideal, mas do possível. Governantes, líderes políticos, são tão bons em anunciar grandes projetos quanto incapazes de realizá-los. São bons também em anunciar medidas enérgicas e definitivas diante das catástrofes, com grau de realização igualmente baixo. Governo estadual e Prefeitura do Rio estão pedindo R$ 370 milhões ao governo federal, que vai prometer. Mas, dos R$ 200 milhões prometidos depois da tragédia de Blumenau, não saíram nem 20%. E, quando o dinheiro não sai, há uma fileira de culpados. Um deles, um suspeito habitual e preferido, é o superávit primário — a parte do orçamento que vai para o pagamento de juros e a redução do endividamento público. Ora, fazer esse superávit, regra introduzida pelo governo FHC em 1998 e mantida no governo Lula, é um dos pilares da política econômica de estabilização, que antes se acusava de neoliberal. De maneira que caímos nisso: tem enchente por causa do mercado que exige pagamento de juros em vez de investimento público em obras de contenção e saneamento. É por causa desse tipo de raciocínio que estamos onde estamos. Um governo altamente endividado tem dificuldades para se financiar e paga juros cada vez mais altos. Isso reduz sua capacidade de investimento. Ao contrário, um governo que faz o sacrifício de sanear as finanças e equilibrar suas contas, adquire maior capacidade de financiamento e investimento. Ora, por aqui o governo se endividou largamente no passado, fez inflação para desvalorizar suas dívidas e gastos e depois aumentou brutalmente a carga tributária. Ou seja, fez dinheiro, muito dinheiro. E onde está a infraestrutura que amenizaria as catástrofes naturais? Em vez disso, tivemos inflação e calotes. Do Real para cá, a situação foi melhorando, o setor público cada vez mais saneado, mais capaz de gastar de maneira saudável. De novo, onde estão as obras? No superávit primário? Mas quais foram os gastos que mais cresceram nos últimos anos? Pessoal, custeio, previdência. O governo arrecada mais de 36% do PIB e aplica menos de 3% no superávit primário. Descontado isso, portanto, sobram 33% do PIB, uma receita superior à de qualquer outro país emergente. Ou seja, no Brasil, o setor público dispõe proporcionalmente de mais recursos do que as nações de desenvolvimento parecido. E não consta que os serviços públicos sejam igualmente superiores. Falando francamente e tocando num ponto nevrálgico: se tem dinheiro para Pan, Copa e Olimpíadas, como é que faltaram R$ 370 milhões para obras antienchentes no Rio e os 200 milhões de Blumenau? |
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