sexta-feira, abril 30, 2010

BRASIL S/A

As razões de fundo
Antonio Machado

CORREIO BRAZILIENSE - 30/04/10

BC reabre ciclo de engorda da Selic para manter espaço do gasto público e dos investimentos


O aumento da Selic, taxa de referência de trocas interbancárias, para 9,50%, depois de permanecer nove meses estacionada em 8,75%, voltou a colocar o Banco Central em linha com as expectativas do mercado financeiro e sob o fogo de empresários e sindicalistas.

A divergência é toda centrada no que é esperado para a inflação, função de um conjunto de fatores variáveis no tempo, podendo ser um choque de preço devido à quebra de oferta, ou excesso de gasto público, ou crescimento forte do crédito ao consumo, e por aí vai.

Não há causa única. Desde a saída da crise, a atenção se volta para o impacto sobre a inflação das medidas tomadas para abreviar a recessão, como o corte de imposto e a expansão do crédito ao consumo nos bancos estatais, acumuladas a um cenário em que o emprego e a renda foram pouco afetados até pelo ativismo fiscal do governo.

Ao sancionar tal análise, o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC retoma o diagnóstico dominante até setembro de 2008, marco inicial da grande crise global. À época, a economia também crescia forte, o deficit das contas externas despontava como reflexo das importações em ritmo maior que as exportações, o câmbio tendia a valorizar-se pela maciça entrada de capitais financeiros, a bolsa bombava e a inflação dava sinal de escapar à meta anual, de 4,5%.

No último ciclo de alta da Selic, que reagia a tal conjuntura, o BC pilotou os juros básicos de 11,25% ao ano, em janeiro de 2008, até 13,75% em setembro, quando a economia global capotou. O BC só voltou a ajustar a Selic em janeiro, iniciando com atraso o ciclo de queda que a trouxe até 8,75% em julho do ano passado.

Entre os três ciclos — o de alta em 2008, de queda e estabilidade em seguida e agora outra vez de alta —, o motivador da ação do BC tem sido o receio de que a retomada dos investimentos produtivos, um dos itens da demanda agregada, se encavale com a somatória do emprego, da renda e do crédito ao consumo, todos para cima. Assim como o gasto público. Dos salários do funcionalismo às políticas sociais, dos projetos de infraestrutura aos subsídios em geral.

A economia no segundo mandato do presidente Lula está direcionada para crescer movida pelo investimento público e privado que amplie a oferta da infraestrutura e a produção industrial. Mas acumulado com a expansão dos outros dois componentes da demanda pela ótica do Produto Interno Bruto (PIB): o gasto público e o das famílias.

A incompreensão, ou ignorância, dessa dinâmica é o que leva o BC a ser tão criticado. Felizmente, não por Lula, que a entende.

Bônus e ônus de Lula
O resultado está aí: na ebulição da economia, na sensação de bem-estar social, no entusiasmo empresarial, expressos na popularidade recorde do presidente e na aprovação de seu governo. Mas também é o que faz as contas externas estarem no vermelho. Ou o orçamento fiscal estar no limite, incapaz de financiar mais despesas, assim como os bancos públicos, todos com limites de crédito próximos do teto prudencial, o que implica que terão de aumentar o capital.

O Tesouro já emite dívida pública para bancar os investimentos da Petrobras e Eletrobras intermediados pelo BNDES. Prova da carência de poupança pública, boa parte empenhada em gasto corrente fiscal.

Inflação é a síntese
É a isso que o BC responde ao subir a Selic: para abrir ou manter o espaço à expansão do investimento, não para frustrá-lo. Se há um volume de oferta finita para uma demanda sem freio, o ajuste se faz via preço, isto é, inflação, e câmbio, que também é um preço, mas mais à frente, quando a área externa já estiver deteriorada.

O número chave no balanceamento macroeconômico é a taxa real dos papéis que o Tesouro emite e financia no mercado financeiro local e externo, definida pela expectativa futura de inflação.

Obstáculo da oferta
O mercado olha para os números fiscais, os vê crescendo e esfrega as mãos. Sabe que o Tesouro vai precisar de quem o financie. Mais papel, mais juros reais — ou não. Depende da inflação projetada.

A economia está assim: com oferta precária para o quadro de pleno emprego, já detectável com taxa de desemprego de 7%. Está em 7,6%. Ao mesmo tempo, ela deve gerar exportações em volume equivalente ao fluxo líquido de fundos externos, definindo-se que para o porte da economia deficits de 2% do PIB seriam seguros. Tende a 2,5%.

A medida que acomoda em síntese todas estas variáveis é a meta de inflação em 4,5%. Está acima de 5%. Por isso o BC acionou a Selic.

BC é o álibi de Lula
A pilotagem da economia nasce de um projeto. O em curso por Lula tem duas prioridades: distensão social e expansão industrial e da infraestrutura (energia, estradas, portos etc.). Ambas colidem com a capacidade produtiva atual. Dar peso a uma ou outra não satisfaz a coalizão política que o serve nem a seus desejos. Ambas marcham juntas, gerando os desequilíbrios que o BC ajusta com a Selic.

Os críticos contrapõem que menos gasto público faria melhor pelo crescimento com equilíbrio. Estão certos. Mas aí o governo e a sua coalizão política serão outros. Com Lula, um ex-líder sindical, o empresariado que repele a Selic deveria refletir sobre o que seria da economia com inflação à larga. Pela paz social, ele estaria com seus antigos companheiros, não com o capital. O BC é o seu álibi.

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