sábado, abril 24, 2010

BRASIL S/A

Bungee jumping
Antonio Machado

CORREIO BRAZILIENSE - 24/04/10

Governo saltou no abismo em Belo Monte porque 65% da conta de luz são impostos e encargos


O governo, literalmente, pratica bungee jumping na defesa do que fez para viabilizar a construção da hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu — obra cara, contestada ambientalmente, mas necessária a curto prazo para garantir a segurança energética do país.

O salto no abismo se deve não à questão ambiental, mitigada pelas condicionalidades exigidas pelo Ibama para conceder a licença que destravou o leilão. O histerismo ambiental, que está conseguindo levar pânico às lideranças indígenas do entorno do lago a ser formado pela barragem da usina, traz mais prejuízo que benefício.

Cruzados os prós e os contras, pior será para a nação ficar à mercê de blecautes nos próximos anos, se a economia crescer ao ritmo de 4,5% ao ano em média — possibilidade super-realista. Como não há a mais remota chance de se repetir um apagão como o de 2001, que exigiu racionar o consumo de energia elétrica, a matriz energética, aí sim, se tornaria a porcaria contra a qual lutam os ambientalistas.

A alternativa às hidrelétricas é a geração termelétrica, movida a insumos poluentes, já que as novas fontes de energia renováveis ao nível da tecnologia atual, como a solar e a eólica, não atendem à necessidade do aumento do consumo, além de custar uma enormidade.

A opção nuclear seria viável, e a tendência é que cresça, mas o seu custo e as preocupações ambientais também são gigantescos.

A conta de luz se tornaria impagável sem subsídios, frente a um orçamento fiscal já deficitário — insuficiente até para o governo conseguir reajustar as aposentadorias como querem os segurados.

As usinas hidrelétricas com reservatórios, contra os quais é que o ativismo ecológico se insurge, são “a fonte de geração e a forma de armazenamento de energia mais barata que há”, como afirma o consultor legislativo do Senado, Edmundo Montalvão, num estudo de fôlego, peça obrigatória para a compreensão da questão elétrica.

Intitulado Impacto de tributos, encargos e subsídios setoriais sobre as contas de luz dos consumidores, o estudo, disponível no site do Senado, disseca a polêmica ambiental, mas, sobretudo, demonstra o cipoal em que se converteu a tarifa de energia — hoje, nada mais que uma vaca leiteira para a arrecadação de impostos.

É aí que está o grande obstáculo da questão energética, bem como da sensação de vertigem do governo ao tentar resolver o problema.
Desejo inconciliável
Com regulação do governo, fiscalização do Congresso e tudo o que acompanha um serviço público de prestação continuada, são impostos e não a eventual ganância de lucro do operador, de resto, em boa parte empresas estatais, o que onera o consumidor. E ainda mais, à luz (no caso, fraquinha) da competitividade nacional, ameaça nada mais que o próprio desenvolvimento. A verdadeira polêmica é essa.

O governo, e mais ainda a então ministra Dilma Rousseff, mentora da política energética e do modelo de negócio concebido para Belo Monte, se enrolou na corda do bungee jumping ao tentar conciliar duas condições inconciliáveis diante da estrutura de impostos, encargos e subsídios embutidos na tarifa de energia: modicidade tarifária e liderança privada na construção e operação da nova hidrelétrica.
Todo o risco é nosso
O capital privado presente no consórcio vencedor para construir e operar Belo Monte está lá só porque acredita que terá vantagens do governo. Não só as já asseguradas: metade do capital bancada por subsidiárias da Eletrobras, financiamento em 30 anos do BNDES com juros de 4% ao ano, desconto do Imposto de Renda de 75% sobre os resultados, seguro do Tesouro e investimento de fundos de pensão de estatais. Ou seja: todo risco para a frente é do Estado. É nosso.
O cidadão desconhece
E assim se fez para quê? Para que o custo da geração em Belo Monte não superasse o teto de R$ 83 o megawatt/hora (MWh). A Chesf, que assumiu o consórcio vencedor, levou por R$ 78. Mas nem pelo preço-teto, segundo quem estudou o projeto, dá para remunerar o capital.

A taxa de retorno seria inferir a 5%/ano. E se fosse mais? Seria um problemão. O custo seria repassado para a tarifa, que já embute 65% de encargos, segundo estudo da Federação das Indústrias de São Paulo. A Fiesp contratou pesquisa para apurar se o brasileiro sabe quanto paga de imposto. A maioria achou que pagava em média, na conta de luz, R$ 2,52 (25,2%) em cada R$ 10. Paga mais: R$ 6,46. Se incluir subsídios, paga mais de 100%. O ônus fiscal é como o do cigarro. Só que fumar mata e energia elétrica é vida. Esse é o apagão em que se enforcou o governo, o perdulário filantrópico.
A Constituição ferida
A pesquisa da Fiesp, que ouviu mil pessoas entre 20 e 30 de março, constatou que apenas 12% dos brasileiros acham que não pagam impostos no preço dos bens e serviços que consomem (4% não sabem ou não quiserem responder). A grande maioria dos que sabem desconhece é o tamanho da mordida. No açúcar, diz a Fiesp, é de 19,4%. No arroz, 7,9%. Sabão em pó, 45,5%. Telefone, 40,2%.

Girou em torno de 90% a manifestação de que tais incidências são exageradas. A Constituição obriga que os preços discriminem quanto há de imposto embutido. O Senado já aprovou lei que a regulamenta. Falta a Câmara. Será que os deputados querem manter os brasileiros na ignorância? E por que o governo não se empenha nesse sentido?

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