quinta-feira, abril 08, 2010

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Antonio Machado

CORREIO BRAZILIENSE - 08/04/10

Peão no minueto de Lula com o PMDB, Meirelles percebeu tarde que não havia amador nessa dança


O grande dilema de Henrique Meirelles, dividido entre continuar à frente do Banco Central ou disputar a indicação para vice na chapa da petista Dilma Rousseff pelo PMDB, ao qual se filiou exatamente com essa pretensão em meados de 2009, continua a render versões.

Todas estão centradas nos personagens do imbróglio — Meirelles e Dilma, além dos presidentes Lula e o da Câmara e do PMDB, deputado Michel Temer, o escolhido pelo grupo dominante do peemedebismo a alçar o partido da condição de aliado indesejado, mas necessário a todo governo desde a redemocratização, ao de sócio igualitário.

O PMDB acostumou-se a se ajoelhar diante de todos os altares. Mas vem manifestando a vontade de voltar a rezar a missa, como à época do governo de José Sarney, quando ocupou os principais ministérios e, no vácuo do sucesso efêmero do Plano Cruzado, em 1986, elegeu todos os governadores menos um nas eleições daquele ano.

Lula acredita que o PT precisa do PMDB para Dilma sair vitoriosa na disputa pela sua sucessão. Mas pressente os problemas adiante, caso Dilma se eleja, se der corda ao aliado. Foi daí que teve um estalo. Meirelles cogitava candidatar-se a alguma coisa por Goiás, onde nasceu e tem domicílio eleitoral. Estava sem partido desde 2003, quando renunciou à cadeira de deputado federal pelo PSDB de Goiás, no que foi sua primeira eleição, para assumir o BC.

Meirelles foi convencido a se afiliar ao PMDB, originalmente para se candidatar a governador ou senador por Goiás, mas, na prática, para ser o coringa de Lula no momento de fechar a chapa de Dilma e a coligação de partidos que vai apoiá-la. Lula imaginava Meirelles como candidato a vice-presidente, sendo para Dilma o que lhe foi o industrial José Alencar: uma ponte da política com o empresariado.

Alencar ajudou Lula a dissipar as desconfianças dos mercados e da classe média, as mesmas que poderão surgir no decorrer da campanha em relação a Dilma, que traz o agravante de nunca ter disputado um pleito sequer, além de seu passado de militante contra a ditadura.

Meirelles, ex-executivo da banca estrangeira, bem-sucedido no BC, muito bem-visto pelo capital financeiro, seria par sob medida para Dilma. Lula não esperava é que o presidente do BC tivesse gostado tanto da ideia que passasse a cogitar sua entrada na política só como segundo de Dilma. Aí deu chabu. O PMDB precisaria concordar.

PMDB sonha mais alto
Passa despercebido à imprensa, ou não é levado a sério, mas não por Lula, que algo vem mudando no PMDB. De partido ônibus, tocado por caciques regionais, fisiologista até não mais poder, o que é fato, mas também o é para todos os partidos — até para o PT, em certa medida, uma federação de tendências —, volta a reaparecer a vontade de beliscar o poder sem a intermediação de terceiros.

Era o que suas lideranças maiores tinham em mente quando foram ao então governador Aécio Neves — estrela do PSDB e em disputa com o também governador José Serra para ver quem saía candidato em 2010 a presidente — propor que disputasse a sucessão de Lula pelo PMDB. Aécio recusou. Mas, habilidoso, não fechou a porta para o futuro.

Quando a ficha caiu
O tabuleiro da sucessão é mais amplo que a disputa direta entre os candidatos à cadeira de Lula. Lula via em Meirelles um peão no jogo disputado com o PMDB. Mas tinha de respeitar as regras. Foi o que Meirelles custou a entender, vindo daí a sua indecisão.

Ele deveria assumir-se como candidato por Goiás a alguma coisa e ficar em stand-by, aguardando até junho, o mês das convenções dos partidos e montagem das chapas, para ver como ficava. Ele pediu a Lula garantias e ele não pôde dá-las. Foi então à cúpula do PMDB, e lhe caiu a ficha: era um amador entre profissionais da política.

2014 na perspectiva
Meirelles não só é estranho à turma dirigente do PMDB. Também não está no plano de longo prazo do partido. Poderá estar, pois a ele foi oferecida participação na cota de ministérios que o PMDB vier a ter com quem se eleja. Temer é a parte visível de um grupo que olha cobiçoso sobre o poder imediato, mas com 2014 na perspectiva.

É o fato novo. É o que Lula sacou e tentou neutralizar com alguém de sua confiança. Esteios de Temer, como o deputado Eduardo Cunha e o senador Renan Calheiros, também sacaram. O jogo foi zerado. O candidato a vice de Dilma é Temer. E, se algo lhe acontecer, será outro desse grupo. É o preço para dobrar o tempo de TV de Dilma. Caso se eleja, terá de afagar outra vez o PMDB para ter seu apoio no Congresso. Se Lula cedeu, avaliam, ela vai ceder muito mais.

Mudança de geração
Meirelles acabou sendo, à sua revelia, o detonador de um processo cozinhado em banho Maria, que considera o pós-Lula algo maior — o último capítulo de uma geração de políticos, pressionados ou pela idade ou pela fila de lideranças e interesses emergentes, a sair de cena. Também deve ser o período de consolidação do Plano Real, programa que trouxe a estabilidade, mas não resolveu a questão do crescimento sustentado de longo prazo. O PSDB julga que lhe cabe escrever esse final. O PT, ou com mais justiça Lula, acha o mesmo.

Entre eles, se habilita um PMDB energizado, que prevê sair maior que hoje das eleições. Muita água vai rolar até 2014. Essa visão, porém, já está no radar de alguns empresários, um sinal de que há algo mais que o desejo dos políticos de manejar os cordéis.

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