domingo, abril 11, 2010

ADRIANO PIRES E ABEL HOLTZ

''Joia da coroa'' corre risco de virar herança maldita 

O ESTADO DE SÃO PAULO -  11/04/2010


Nunca antes na história deste País um projeto gerou tanta inspiração para a desordem quanto a hidrelétrica de Belo Monte. Estudada há mais de trinta anos, veio a ser inscrita no PAC para tornar-se a sua "joia da coroa" no âmbito do setor elétrico. Tanta inspiração despertou até o cineasta canadense James Cameron, o gênio de "Avatar", que se dispôs a ir pessoalmente ao Xingu.

Agora, o que de fato não está sendo levado em conta, e aí talvez resida a razão de desistências de interessados experientes, é que, apesar da capacidade instalada de 11.600 MW, os investidores da hidrelétrica somente poderão vender 4.400 MW médios durante cada ano. Esta lógica da geração define receita e custos que deverão ser propiciados pela hidrelétrica para fazer frente aos investimentos em custos ambientais, barragens, canais, máquinas, pessoal, seguros, custos financeiros dos empréstimos, operação, transmissão da energia produzida e resultados aos seus acionistas.

Além disso, a rejeição de ambientalistas e populações locais que se acham agredidas deverá causar obstruções ao bom curso da sua implantação, com custos adicionais imprevisíveis e, possivelmente, multas por atrasos. E, o que é pior, a compra de energia ao Preço de Mercado de Curto Prazo - que os especialistas no tema indicam que deverá ser da ordem de R$ 120,00 /MWh, significando para o investidor um prejuízo de mais de 40% em relação ao valor que estará recebendo em seus contratos de venda.

Se considerarmos que a Eletrobrás, através de uma das suas empresas, poderá ficar com 40% a 49% do empreendimento, e que cerca de 10% da energia será destinada a consumidores livres, restará aos investidores não consumidores de 41% a 50% para estabelecer a viabilidade econômico-financeira da sua participação. Seguramente a tarifa de R$ 83,00/ MWh não permite a receita para fazer frente aos custos aludidos e às taxas de retorno para um empreendimento de alto risco, que somente serão amealhadas após 12 a 15 anos.

As últimas notícias indicam que o governo tenta montar uma aparente competição, arregimentando investidores e empresas com pouca ou nenhuma experiência na construção de empreendimentos desta envergadura, para formar um consórcio que participe de uma competição montada para formalizar o processo.

Vamos torcer para que, no afã de proteger e afagar a mãe do PAC, o governo não acabe construindo uma solução penosa ao contribuinte, aos acionistas da Eletrobrás, aos beneficiários dos Fundos de Pensão e aos consumidores de energia. Ou, ainda, que crie uma herança, esta sim, maldita, para seu sucessor.
Adriano Pires É DIRETOR DO CENTRO BRASILEIRO DE INFRAESTRUTURA; 
ABEL HOLTZ É CONSULTOR DE ENERGIA E NEGÓCIOS DA ABEL HOLTZ & ASSOCIADOS

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