segunda-feira, março 29, 2010

SANDRA CAVALCANTI

Gracinhas típicas de marionetes
O Estado de S.Paulo - 29/03/10

Foram muitas provocações ao longo dos anos. Foram muitas as flechadas no peito de nossa cidade, que leva o nome de seu santo padroeiro: São Sebastião do Rio de Janeiro. Mas, desta vez, encheu!

Nunca fomos bairristas. Nem separatistas. Nem espanhóis. Contaminados por nossa vizinhança, nossos vizinhos fluminenses, do antigo Estado do Rio, também se sentiam muito brasileiros. Muito cosmopolitas. Sem sotaques e sem barreiras.

Quem nasce em outros cantos e vem para cá logo se sente dono da casa. Por isso não somos muito treinados para nos defendermos. Não desconfiamos dos brasileiros dos outros Estados.

Percebi essa diferença quando fiz parte da Assembleia Constituinte de 1986. Atuando na decisiva Comissão de Sistematização, deu para ver o bairrismo caipira, até ressentido, que imperava em algumas bancadas estaduais. Eram espertas, gananciosas, queriam levar vantagem em tudo. Na parte tributária, principalmente, era preciso estar sempre alerta.

Se nós não nos mexêssemos, levávamos a pior. Isso ocorreu, por exemplo, quando tentamos obter, para o então paupérrimo norte fluminense, os mesmos incentivos fiscais da Sudene que já funcionavam para o norte de Minas e o Espírito Santo. Nossa, foi uma guerra! O pior é que tivemos deputados, eleitos pelo Rio, orientados por empresários de São Paulo, votando contra o nosso projeto. Eles venceram! Com o apoio de Minas, do Espírito Santo e de representantes do Nordeste.

Nós sempre pensamos grande. Sempre fomos diferentes. Quando um grupo sulista fortíssimo, liderado por São Paulo, quis acabar com a Zona Franca de Manaus, o que fizemos? Organizamos uma frente parlamentar, ativa e eficiente, para defender a continuação daquela oportuna e valiosa iniciativa, que já vinha recuperando a destroçada economia da região. Encarávamos a região como coisa nossa, maltratada e explorada. As grandes "colônias" de nortistas no Rio davam todas essas informações.

Sofremos outra derrota quando o norte de nosso Estado começou a surgir no mapa como a mais promissora região petrolífera do País. Graças ao extraordinário esforço e à brilhante vitória do professor e consultor-geral da República Clóvis Ramalhete, o Brasil teve reconhecido, na Convenção de Genebra, o direito de extrair petróleo da sua plataforma continental, podendo operar dentro dos limites de 200 milhas. Mas como era a Petrobrás que detinha o monopólio da prospecção e do refino, ela só pagava royalties se o petróleo estivesse em terra firme, como na Bahia.

Quando foi convocada a Assembleia Nacional Constituinte, em 1986, achei que essa seria uma boa oportunidade para corrigir a descriminação feita ao petróleo extraído da plataforma marítima. Na hora de elaborar o capítulo sobre o sistema tributário, buscamos um modo de sermos recompensados, quando ficasse definida a forma de recolher o ICM na sua comercialização. Pois sim! A coisa piorou. O ICMS a ser recolhido nessa operação passou a ser recolhido em favor dos cofres do consumidor! Uma solução inacreditável, é verdade. Mais uma vez o Estado do Rio foi flechado.

Anos depois, quando o Brasil acordou e acabou com o monopólio da Petrobrás, vimos que era chegado o momento de buscar, de novo, os nossos royalties. Foi uma luta demorada e difícil, mas conseguimos. Essa conquista, nossa e de todos os Estados produtores, ficou entalada na goela das bancadas dos ressentidos. Foi a conta. Assim que surgiu uma oportunidade, eles estavam prontos para dar o bote.

A armação foi bem-feita. Cheia de patriotismos locais e de bairrismos fiscais. Quem ouve a argumentação dos parlamentares que votaram aquela excrescência sente até pena... Que mediocridade! Quanta ignorância! Quanta mesquinharia!

Só falta dizerem (mas é o que pensam...) que o Estado do Rio de Janeiro tem de ser punido! Acham que Deus foi muito injusto com eles e, por isso, o Rio merece o castigo.

Onde já se viu coisa igual? Baía da Guanabara, praias deslumbrantes, Parque do Flamengo, igrejas admiráveis, Serra da Tijuca, Pão de Açúcar, Pedra da Gávea, mata atlântica, Maracanã, Teatro Municipal, Jardim Botânico, Petrópolis, Angra, Cabo Frio, Búzios, Porto de Sepetiba, não! O Cristo do Corcovado entre as sete maravilhas do mundo? O sistema do Guandu ser considerado, pelo Guinness, o mais importante projeto de engenharia de águas feito no mundo, no século passado? E pela engenharia carioca? E mais universidades, os centros de cultura, o carnaval? É demais!

Aqueles que no Planalto montaram essa lambança, e seus cupinchas parlamentares, já receberam a resposta contundente do senador Francisco Dornelles. Sua intervenção no episódio foi de extrema felicidade. Calmo, objetivo, com dados precisos e muita lucidez, o senador do Rio colocou a questão nos seus devidos termos. Mas ainda persiste no ar uma questão muito nebulosa nessa conspiração de ratazanas e cupins, produzida e criada naquele ambiente de esgoto, em Brasília.

Será que o chefe de todos eles não sabia de nada? Será que vamos ouvir, outra vez, a mesma desculpa? Nem ele, nem os seus ministros, nem a herdeira do trono, será que ninguém sabia mesmo de nada?

Dá para acreditar?

O chefe acabou dizendo que sabia de tudo, sim. Ele bem que desconfiou de seus ardilosos cupinchas. "Podem ser gracinhas, gracinhas típicas de período eleitoral" (sic!). Pois o chefe acertou. As marionetes fizeram as gracinhas. E conseguiram nos indignar!

Fomos para as ruas. Mais de 150 mil habitantes de nosso Estado, numa passeata de gente do bem. Não pretendemos levar desaforo para casa. O aviso está dado. O deputado Ibsen Pinheiro não é importante nesse episódio. Nem merecia encerrar sua carreira política de forma tão melancólica. O fundamental é saber, agora, como se vai comportar o chefe. E o que está por trás disso...

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