sexta-feira, março 12, 2010

RUY CASTRO

Lavando as mãos


FOLHA DE SÃO PAULO - 12/03/10RIO DE JANEIRO - O garoto se aproxima com ar falsamente compungido e diz: "Eu podia estar roubando, assaltando. Em vez disso, estou pedindo uma ajuda. Compra meu chicletes?". Não sei quem inventou a brincadeira, inspirada nos meninos de rua, mas está sendo usada pelo pessoal do samba aqui no Rio. Um deles diz no palco, com o mesmo ar falsamente compungido: "Eu podia estar roubando, assaltando. Em vez disso, estou fazendo esse show. Compra meu CD?".
Pelo raciocínio do presidente Lula, por suas declarações em Cuba, é tudo uma coisa só. Roubar, assaltar bancos, sequestrar, fazer arrastão em prédio residencial ou chacinar em São Paulo são o mesmo que vender chicletes na esquina, cantar samba na gafieira ou lutar pela liberdade em Cuba e ir preso por isso.
Claro que não é assim, e Lula sabe muito bem a diferença entre um preso político e um preso comum. Faz essa distinção no caso do terrorista italiano Cesare Battisti, condenado em seu país por homicídio, mas que ele vê como um perseguido político, digno de asilo no Brasil.
Sabendo que Lula estaria em Havana, os dissidentes cubanos tentaram fazer chegar às suas mãos um documento pedindo que intercedesse junto aos irmãos Castro para pôr fim às prisões por "crime" de pensamento. Mas Lula alegou não ter recebido o pedido e aconselhou que, na próxima, fizessem uma entrega "protocolada" -certamente com estampilhas, carimbos e firma reconhecida.
Em 1976, o presidente americano Jimmy Carter usou o peso de seu cargo para denunciar os crimes da ditadura brasileira. Pelas ligações entre os governos do Brasil e dos EUA na época, ele podia ter lavado as mãos. Mas o estadista sensível aos direitos humanos superou o mero gestor de corriolas políticas. O povo brasileiro sempre lhe será grato.

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