quinta-feira, março 11, 2010

ROLF KUNTZ


Matadores e censores: modelos ideais?
O ESTADO DE SÃO PAULO - 11/03/10

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva confirmou mais uma vez sua simpatia pelos governos assassinos. Não o fez em segredo, mas numa entrevista à Associated Press (AP), quando comparou os presos políticos de Cuba aos homicidas, traficantes, estupradores e ladrões presos nas cadeias de São Paulo. Sua admiração pelos caudilhos e dirigentes autoritários não é novidade. A defesa dos matadores, como os irmãos Castro e o presidente do Irã, o enforcador de opositores Mahmoud Ahmadinejad, apenas mostra com total clareza a atração do Planalto pelo autoritarismo, até nas suas manifestações mais brutais.

Essa opção tem orientado as decisões políticas e econômicas da diplomacia brasileira, frequentemente com elevado custo para o País. Se um caudilho manda invadir instalações da Petrobrás e ameaça violar acordos comerciais, para que contestá-lo? Por que não aceitar barreiras comerciais impostas por um casal vizinho tão simpático e tão empenhado em amordaçar a imprensa de seu país? Por que não defender com uma fidelidade canina os interesses de Hugo Chávez na América Central e na porção norte da América do Sul? Por que não apoiar, na eleição para a chefia da Unesco, um ministro egípcio comprometido com a censura e conhecido pela promessa de queimar livros israelenses?

No caso da Unesco, a decisão do Itamaraty foi especialmente espantosa - para os menos informados sobre o governo Lula - porque um forte candidato era o brasileiro Márcio Barbosa, diretor adjunto da instituição. Respeitado internacionalmente, ele poderia, segundo analistas, obter o apoio de países de peso, como Estados Unidos, México, Argentina, Rússia, França, Índia e China. Diante da decisão do governo brasileiro, ele desistiu. O Itamaraty, além de pagar o vexame da escolha, engoliu mais uma derrota, porque foi eleita a diplomata búlgara Irina Bokova.

Mas a entrevista à AP foi preciosa porque deixou mais claros do que nunca os padrões de julgamento do presidente brasileiro. Além de igualar os presos políticos aos condenados por crimes comuns, ele equiparou os sistemas judiciais de Cuba e do Brasil. É preciso, segundo ele, respeitar as decisões da Justiça cubana, assim como se deve exigir respeito às decisões dos tribunais brasileiros.

Mas o Brasil ainda é um Estado de Direito. Seus tribunais devem pautar-se por critérios independentes do grupelho no poder. O processo inclui necessariamente o contraditório. Há um enorme arsenal de recursos processuais - amplo demais, até, na opinião de vários especialistas. Além disso, ninguém é legalmente punível por suas opiniões nem pela tentativa de organizar sindicatos ou partidos.

Para o presidente Lula, não há diferença relevante entre os dois sistemas. Portanto, não há diferença relevante entre um preso por crime de opinião ou de manifestação política e um condenado por homicídio, assalto, tráfico de drogas ou furto.

Mas o presidente é capaz de certas distinções. Segundo ele, a Justiça cubana é perfeitamente respeitável. A política de Cuba, também. Por isso seu governo mandou de volta a Havana, sem hesitação aparente, dois pugilistas, na época dos Jogos Pan-Americanos. Mas a Justiça italiana, como observou o cientista político José Augusto Guilhon de Albuquerque, não mereceu o mesmo respeito. Cesare Battisti, acolhido no Brasil como refugiado político, foi condenado pela Justiça da Itália não por crime político, mas por haver, segundo as conclusões do processo, participado de homicídios. Uma das vítimas foi um açougueiro.

Com sua entrevista, o presidente Lula forneceu mais um dado para quem deve decidir sobre as medidas propostas no famigerado decreto dos Direitos Humanos, com suas ameaças à liberdade de imprensa e a outros institutos essenciais à democracia. Forneceu informações valiosas, também, para quem ainda procura entender o significado de "Estado forte", na linguagem petista. Além disso, não há como desprezar esses dados quando se discutem projetos altamente propícios à centralização das decisões econômicas, como o do pré-sal e o da ressurreição de Telebrás.

O risco não está na criação de estatais, mas no aumento dos poderes do grupo no poder. Poderes maiores são especialmente perigosos quando os governantes confundem a oposição política e a divergência de opiniões com crimes como o homicídio, o roubo e o tráfico. Ahmadinejad e os irmãos Castro fazem essa confusão. Lula também, como agora se confirmou.
Rolf Kuntz é jornalista

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