domingo, março 28, 2010

ROGER AGNELLI

Inflação para quem, cara pálida?

Folha de S. Paulo - 28/03/2010
 
Fala-se muito do efeito que o aumento do minério de ferro terá sobre a inflação, mas não se fala nos ganhos para o país

NOS ÚLTIMOS dias, tenho acompanhado as notícias sobre o possível impacto do aumento do preço do minério de ferro sobre a inflação. Procurei na imprensa da Austrália, da África do Sul e do Canadá (grandes exportadores de minério de ferro, carvão, níquel, enxofre, entre outros) menções sobre o impacto do preço desse tipo de produto na inflação, e nada encontrei. No Brasil não se comentou o aumento de mais de 100% do preço do carvão, cuja quase totalidade consumida é importada. Não li também qualquer notícia dos efeitos da quadruplicação do preço do enxofre (de US$ 60 para US$ 240 por tonelada) sobre a inflação.
Porém, quando a maior empresa exportadora de minério do Brasil propõe um sistema de preços que reflita as condições de mercado, rapidamente há o debate sobre os potenciais efeitos na inflação, e nenhuma menção aos ganhos auferidos pelo país no seu comércio exterior. Da mesma forma, o Brasil proporcionalmente importa muito mais carvão e enxofre do que consome de minério de ferro e, estranhamente, não se diz que o preço daqueles produtos vai afetar a balança comercial.
A Europa, como os demais países, defende a política do livre mercado -e concordo. Mas dá subsídios aos agricultores, o que distorce a competição internacional. Em relação ao minério de ferro, quando o preço caiu e tínhamos com os clientes contratos de longo prazo, eles olharam para nós e disseram: "O mercado e as condições mudaram, o preço à vista caiu, o contrato de longo prazo não pode valer". Engolimos o argumento e revimos nossos preços. Agora que o preço à vista subiu muito, querem manter o modelo anterior. Essa assimetria não é razoável.
Os preços relativos dos produtos têm mudado pelo fato de a China estar experimentando um crescimento muito forte. Criou mercado para todos os produtos e, hoje, praticamente determina o preço em todos os setores, inclusive o do minério de ferro, cujo mercado à vista surgiu como consequência do desequilíbrio entre demanda e oferta.
Quando os preços do café, da laranja e das carnes sobem, é bom para o Brasil; com o minério de ferro não é diferente e todos geram divisas para o país importar o que é preciso, além de renda e investimentos. Tanto é que a Vale, nestes últimos anos, com a subida do preço e com o reflexo do mercado externo, é a empresa que mais exporta, a que mais investe no Brasil e a que mais contribui para o superavit comercial.
A exportação de commodities é benéfica ao país, com alto conteúdo tecnológico e efeitos fortemente positivos em toda a cadeia produtiva, seja no caso da agricultura, da mineração ou do petróleo. Alguns defendem que o Brasil exporte mais manufaturados. Concordo. Mas eles não são excludentes, pelo contrário.
É bom citar que o preço do minério é compartilhado com os governos federal, estaduais e com os municípios onde atuamos, o que pode gerar mais desenvolvimento, crescimento e novos empregos, inclusive pelas contratações para implementar os projetos de investimento. A mudança do preço relativo dos produtos nos quais somos competitivos representa a chance de reverter um quadro histórico, trazendo valor e recursos para o Brasil.

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