quinta-feira, março 25, 2010

LUIS FERNANDO VERISSIMO

Norman O.
O GLOBO - 25/03/10


Além de fornecer erudição instantânea o “Google” também responde aquela pergunta que fazemos muito, e que começa assim: “Que fim levou...”. No outro dia consultei o “Google” para saber que fim levara o jogador Careca, na opinião de muitos o melhor centroavante que o Brasil já teve. O “Google” informou que ele está vivo e bem. E há dias me lembrei de perguntar por outro cara que eu admirava muito mas perdi de vista, Norman O. Brown. Antropólogo e crítico americano nascido no México que em 1959 lançou um livro chamado Vida contra Morte propondo uma interpretação psicanalítica da História, um pouco na linha do que já fizera Herbert Marcuse com o seu Eros e Civilização mas levando mais longe a ideia de uma saída para nossa neurose coletiva pela valorização do corpo e dos sentidos contra a repressão e o instinto de morte, de Eros contra Tanatos. Na sua releitura da História Brown pretendia uma reversão da separação de corpo e espírito que vinha de Platão e dera no cristianismo (o “platonismo popular”, como o chamara Nietzsche) mas, mais profundamente do que outros heréticos como Sartre e o próprio Marcuse, recorria às ideias pioneiras de Freud para seu diagnóstico da civilização e seu descontentamento. E deixava até Freud para trás na sua receita de cura, argumentando que a repressão se manifestava, entre outras formas, pela organização
genital da nossa sexualidade, que deveria ser substituída pelo que chamava de “perversidade polimorfa”, ou a erotização do corpo todo.
Descontando-se os exageros como sua receita de perversidade polimorfa, de difícil execução, ainda mais na minha idade, Brown foi extraordinário por ser o primeiro – e, até agora, pelo que sei, o único – a preferir Freud como um pensador social e um antropólogo antes de um estudioso da mente e seus desvios e a segui-lo nesse caminho. E no entanto as análises históricas de Freud, em livros sobre as origens da civilização e das religiões e sobre mitos primevos como Totem e Tabu e Moisés e o Monoteísmo, são mais importantes do que suas descobertas sobre o subconsciente e seus métodos de terapia individual, hoje em grande parte, pelo que se ouve, substituídos pela química. Freud botou toda a condição humana no divã, mas só quem se beneficiou disso foram poucas almas desgarradas querendo fugir da neurose e voltar ao normal. Mas, escreveu Brown, na nossa civilização o “normal” é que é a neurose. Brown publicou vários livros além de Vida contra Morte. Em Love’s Body recorreu, sem preconceito, à exaltação do corpo místico da escatologia religiosa como exemplo da reconciliação de corpo e espírito, e do triunfo final de Eros. Em outro livro, Closing Time, tratou da influência de Giambattista Vico no Finnegans Wake do James Joyce, de maneira fascinante, apesar de em partes quase tão indecifrável quanto o livro de Joyce.
Brown morreu em 2002,
com 89 anos de idade. Obrigado, “Google”. 

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