domingo, março 14, 2010

LUIS FERNANDO VERISSIMO

Segunda puberdade


O GLOBO - 14/03/10
“Lá se foi outro romance” dizia o Woody Allen depois de fazer sexo. É antiga a crença de que a energia gasta numa relação sexual diminui a energia criativa do homem – e que portanto impulso sexual represado aumenta a criatividade. Ou seja: abstinência dá boa literatura. Outra crença é que o tesão estimula a mente e a criatividade é um subproduto da libido, e bom sexo também dá bons livros. De qualquer jeito, a ligação entre hormônios e arte seria indiscutível. Lendo um livro do conhecido biógrafo Richard Ellmann sobre o poeta William Butler Yeats, entre outros irlandeses, descobri que Yeats, preocupado com a diminuição do seu vigor sexual, procurou um médico chamado Norman Haire, que fazia uma cirurgia de rejuvenescimento de acordo com as teorias do austríaco Eugen Steinach, cujos pacientes em Viena incluíam o dr. Freud (mas não por problemas sexuais, se apressa a dizer Ellmann). A cirurgia revolucionária era o que hoje se chama vasectomia, mas a teoria de Steinach era que ela aumentava a produção de hormônios e revitalizava o organismo. Yeats fez a operação, que teve pouco efeito no seu desempenho sexual, segundo Ellmann, apesar de ele dizer que passara a viver uma “segunda puberdade”, mas muito efeito na sua poesia, que entrou na sua melhor fase. Devido a – nas suas palavras – “um fermento que se apossou da minha imaginação”. O que fermentava eram os hormônios do dr. Steinach.
Outro efeito colateral da cirurgia em Yeats foi que ele deixou para trás suas simpatias pelo fascismo e se transformou num cético contra toda arregimentação política e todos os dogmas. Ou seja: pelo menos teoricamente, sempre há a perspectiva de que há uma segunda puberdade para salvar poetas do mau caminho.

TEMPO INTEGRAL
Li que os terremotos do Chile causaram um deslocamento do eixo terrestre que atrasou – ou acelerou? – a rotação do planeta em alguns milésimos de segundo. O que pode não ser muito para você mas é importantíssimo para quem não pode desperdiçar um milésimo sequer de vida. São as mesmas pessoas que espremem o gargalo até a última gota, passam o pão no prato até não sobrar rastro do molho, pensam em cada batida do seu coração como um bônus e aceitam tudo que lhes dão na rua, até volante de quiromante. As pessoas que não podem perder nada, ainda mais fração de segundo.
Queremos nosso tempo integral na Terra, e nem um milésimo a menos.

LEMBRA-TE
César tinha aquele cara que, volta e meia, dizia no seu ouvido: “Lembra-te que és mortal”. O Lula poderia ter um cara que, sempre que ele fosse dizer o que não devia, puxasse a sua manga. Mas como prever o que o Lula vai dizer? A solução seria não parar de puxar a manga. 

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