sábado, março 06, 2010

GILLES LAPOUGE


Alemães se esqueceram de propor a venda de Zeus

O ESTADO DE SÃO PAULO -  06/03/2010



O primeiro-ministro grego, George Papandreou, esteve em Berlim, onde se reuniu com Angela Merkel. O foco da conversa foi a a crise financeira grega. Mas Papandreou teve o cuidado de dizer que não veio mendigar mais dinheiro.

O que esperava era uma "clara manifestação de solidariedade". Essa moderação da Grécia é positiva: a Alemanha não está nem um pouco disposta a tapar os enormes buracos do orçamento de Atenas com a boa moeda alemã.

Foi um dia tranquilizador para a Grécia, já que conseguiu levantar facilmente 5 bilhões nos mercados financeiros. Uma boa notícia. Primeiro para os próximos desembolsos que o país terá que fazer. E também porque isso indica que o plano de austeridade elaborado por Papandreou impressionou favoravelmente os investidores.

Mas, nada de ilusões: essa operação bem sucedida custou muito caro, pois os juros que ela deve pagar são exorbitantes, a taxa de 6,385%, uma grande diferença em relação aos 3% cobrados da Alemanha (a referência do mercado). O empréstimo levantado pelos gregos é perverso: ele alivia Atenas no momento, mas prenuncia "dias sombrios", quando chegar a hora de resgatar a dívida.

Mais grave ainda: o plano de austeridade estabelecido por Papandreou será bem sucedido? Esse plano já provoca duras reações da população grega. Na manhã de sexta-feira a cidade de Atenas era um enorme engarrafamento. Os transportes públicos paralisados. Os aviões no solo, as ruas invadidas por manifestantes furiosos, escolas fechadas. E já se anuncia um segundo dia de greve dentro de oito dias. Essa radicalização do povo faz pairar uma dúvida sobre o plano Papandreou. E, portanto, sobre a capacidade da Grécia para sair do buraco sem ajuda da Europa.

O que explica a viagem de Papandreou a Berlim, que deverá passar também por Paris e Washington.

Na Alemanha, Angela Merkel talvez se veja tentada a fazer um esforço. Mas seus aliados liberais do partido FDP, que estão no governo, e a opinião pública, resmungam. "O governo alemão não dará um centavo à Grécia", disse com arrogância o ministro da Economia Rainer Brüderle.

A França, embora menos rígida do que a Alemanha, adotou a mesma posição. "Uma ajuda da França e da Alemanha não está nos planos", disse Christine Lagarde, ministra francesa da Economia.

A opinião pública alemã se colocou contra Atenas. O jornal Bild (12 milhões de leitores) deu a palavra a dois deputados alemães. E eles deram uma ideia: a Grécia possui três mil ilhas, das quais 87 são pouco povoadas. "Vendam as ilhas, seus gregos falidos", disseram, deixando subentender que os ricos alemães, tão ávidos de mar e sol, ficariam felizes em comprar algumas ilhotas do mar Egeu.

Aliás é uma antiga tentação dos alemães: ajudar os países pobres, comprando suas belezas. Há 15 anos, dois deputados alemães também quiseram ajudar a Espanha, que na época estava em dificuldades, com compra, em troca, da ilha Maiorca. Mas o negócio não prosseguiu.

O Bild teve uma outra ideia. A Grécia não tem somente ilhas em quantidade. Junto com o Egito e a Itália, ela possui o patrimônio histórico-cultural mais fabuloso do Ocidente. Por que não acrescentar a algumas ilhas uma ou duas maravilhas da arquitetura grega, por exemplo a Acrópole? Isso poderia render "um bom dinheiro" - 100 bilhões, segundo o Bild.

Mas como estabelecer um "preço justo"? A lei da oferta e da procura se aplica ao Partenon, à Acrópole? E a Delfos? E por que não comprar também alguns deuses gregos? Um Zeus, quanto deve custar? E uma Vênus? Poderiam comprar também comprar Homero, Platão ou Aristóteles? E um concerto de Orfeu e Eurídice? Ou, melhor ainda, uma profecia da Sibila de Apolônio, que poderia assim prever quando a crise mundial terá fim.

O Bild não é assim tão guloso. Ele se contentou em propor a compra da Acrópole, a fortaleza edificada no segundo milênio antes de Jesus Cristo e que se tornou depois o centro religioso de Atenas. Mas, será que os dois deputados alemães sabem que, nessa Acrópole está um altar consagrado "ao deus desconhecido"? São Paulo, quando passou por Atenas ficou intrigado com esse deus desconhecido. E disse que esse deus, perdido no meio do Panteão grego onde formigam os deuses, era esse "Deus único" do qual ele vinha justamente anunciar seu reinado. Os deputados alemães que desejam comprar as ilhas gregas não fixaram um preço para esse "altar do deus desconhecido".

TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

 *Gilles Lapouge é correspondente em Paris 

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