terça-feira, março 09, 2010

FERNANDO DE BARROS E SILVA


Tremor e temor no Chile

FOLHA DE SÃO PAULO - 09/03/2010



Vitimado por uma das piores catástrofes de sua história, o Chile se viu nos últimos dias diante de turbulências sociais graves e inesperadas. O terremoto desencadeou saques em massa ao comércio, assaltos a residências, incêndios premeditados. "Todos roubaram de todos, não foi uma questão de classe social, todos protagonizaram o vandalismo", disse, num desabafo, a prefeita de Concepción, onde a devastação foi brutal.
Ontem, Michelle Bachelet estimava em cerca de US$ 2 milhões o valor dos produtos recuperados dos saqueadores. A presidente chilena se deixou filmar num ginásio tomado por TVs e máquinas de lavar, descarregadas ali por 35 caminhões cheios de mercadorias que a população devolveu "espontaneamente", depois da ameaça policial.
Com armas e paus, famílias ricas de Concepción improvisam barricadas e fazem vigília em condomínios para enfrentar eventuais intrusos. Na área rural, pessoas andam com espingardas na mão.
São cenas e relatos muito chocantes. Sobre eles, intelectuais e jornalistas chilenos têm feito reflexões bastante desiludidas, muitas das quais com boa dose de autoflagelo. A "coesão social" do país se revelou bem menos sólida do que se imaginava e a autoestima dos chilenos está profundamente abalada.
Ao mesmo tempo, Bachelet, criticada por não ter mobilizado o Exército desde o primeiro momento, relacionou os saques a "uma deterioração moral profunda", procurando separar anomia de carência social.
É difícil tirar conclusões no curso de um momento tão traumático e tumultuado, mas o apelo por ordem e autoridade cresceu no Chile.
O conservador Sebastián Piñera, eleito presidente após 20 anos da Concertação no poder, toma posse depois de amanhã. O país que vai assumir é diferente daquele que o elegeu. Tem suas perspectivas rebaixadas, mas, ao mesmo tempo, as demandas exacerbadas. Vejamos como a direita democrática vai lidar com a ferida social que herdou.

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