sexta-feira, fevereiro 19, 2010

NELSON MOTTA

Carnavais, fantasias e desastres


O GLOBO - 19/02/2010



Enquanto o sol brilha nos trópicos, a coisa está feia na Europa.

A Grécia, à beira do abismo, depende da União Europeia para evitar o colapso e é obrigada a cortes drásticos de despesas e aumento de impostos, a velha e temida receita tão familiar aos brasileiros pré-real, e que aqui era chamada carinhosamente de “remédio amargo”. É o que vão enfiar goela abaixo dos gregos.

Ao mesmo tempo explodem notícias de que grandes bancos americanos, sempre eles, estavam emprestando dinheiro à Grécia por baixo do pano, para inflar os balanços e iludir a fiscalização da União Europeia, adiando e agravando o desastre que ameaça contagiar outras economias. Os números são implacáveis e cruéis.

Em 2006, a criativa matemática financeira — e a sinceridade — dos gregos surpreendia a Europa, ao incluir o contrabando, a prostituição, as propinas, a pirataria, o tráfico, a lavagem de dinheiro, o mercado negro e o caixa 2 no cálculo do seu Produto Interno Bruto. Afinal, se o dinheiro não tem moral, religião ou ideologia, por que o PIB exigiria bons antecedentes ? Se as riquezas foram produzidas legal ou ilegalmente era só um detalhe que não invalidava o fato econômico real. Essa montanha de dinheiro, ainda que sujo, entrou na roda da economia, comprou bens, pagou salários e serviços, financiou imóveis e investiu em empresas. A Grécia dizia que, com esses critérios realistas, o PIB do país poderia aumentar nominalmente em 10%.

E aumentou. Era o sinal verde para a gastança e a folia fiscal que vinham pela frente.

Por tugal, coitadinho, está no maior aperto, mas também a ex-florescente Irlanda, a combalida Itália e até a Espanha, que até ontem era invejada pelo seu boom econômico, esportivo e cultural. E agora, coitados, ainda são chamados de PIIGs. E pior: estão passando pelos perrengues que conhecemos tão bem em um frio abaixo de zero e com o dia escurecendo às três da tarde. E pagando as contas em euros.

Deve ser terrível viver em países assim, diria o Ancelmo.

Enquanto isto, quem viveu no Brasil pré-real vive uma realidade que nem os mais otimistas ousariam sonhar há vinte carnavais.

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