terça-feira, fevereiro 23, 2010

NAS ENTRELINHAS

Limões, discursos e limonadas

Alon Feuerwerker
Correio Braziliense - 23/02/2010

Qual foi mesmo a grande vitória — material, concreta — obtida pela diplomacia ou pelos canhões brasileiros nesse período? Não valem os prêmios recebidos por Lula, nem as reportagens favoráveis, nem os salamaleques a ele dispensados




No âmbito da política exterior dos países, não é tão difícil distinguir os líderes empenhados realmente na construção de um projeto nacional daqueles preocupados apenas em açular o nacionalismo “de boca”, para nele cultivar musculatura política.

Na primeira categoria estão os governantes voltados para a conquista de vitórias nas relações com outros países e nos organismos internacionais. Na segunda, os obcecados pela soberania retórica.

Para que possam, então, classificar os opositores internos de “inimigos da pátria” e, a partir daí, convergir o destino soberano do país com a perpetuação do próprio poder.

Reparem que nações como China, Índia, Rússia e África do Sul têm políticas externas caracterizadas por contenção verbal e pela busca agressiva de vitórias, ou, pelo menos, de posições estratégicas favoráveis. Moscou, por exemplo, vem de conseguir recuos de Washington no projeto do escudo antimísseis na Europa do Leste. E os chineses apertaram tanto os americanos que estes se viram obrigados a fazer movimentos para equilibrar a balança, daí o encontro entre o Dalai Lama e Barack Obama.

Qual é o balanço da política externa brasileira nos anos recentes? É um bom debate. Na historiografia oficial, os últimos sete anos representaram a emergência de um Brasil altivo e internacionalmente forte, em suposto contraste com os séculos precedentes.

Mas qual foi mesmo a grande vitória — material, concreta — obtida pela diplomacia ou pelos canhões brasileiros nesse período? Alguém poderia informar? Não valem os prêmios recebidos por Lula, nem as reportagens favoráveis, nem os salamaleques a ele dispensados por interessados em bons negócios. Falo de coisas tangíveis.

O Brasil apostou todas as fichas na conclusão da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio e perdeu. Quando eclodiu a crise mundial das finanças, em setembro de 2008, saiu a advertir contra a emergência do protecionismo e a defender o livre comércio. Deu em nada.

O Brasil apostou todas as fichas na emergência do G20 como organismo vocacionado para reformar o sistema financeiro internacional e perdeu. O G8 vai sendo substituído é pelo G2, com americanos e chineses de protagonistas.

O Brasil inicialmente apostou em liderar os emergentes contra metas de redução das emissões de carbono. Quando Estados Unidos e China mandaram avisar que Copenhague não iria chegar a nenhum acordo vinculante, nossa diplomacia viu uma janela de oportunidade para Lula fazer a flexão tática. Ele agora seria “o líder da luta contra o aquecimento global” (a custo zero, pois não ia mesmo acontecer nada na Dinamarca). Para no fim poder dizer que “a culpa não foi minha”.

Acabamos na mesa com Obama, para referendar a proposta americana. De saldo, só os aplausos que o presidente colheu por mais um bonito discurso.

Sem falar nas situações em que não restou nem o discurso, como Honduras. Das grandes iniciativas que ainda podem dar algum dividendo há o Irã, onde talvez o Brasil fature algo, no papel de mestre de cerimônias das manobras para disfarçar uma eventual rendição iraniana. Isso se Teerã render-se. Se não, nossa “vitória” dependerá da capacidade de os aiatolás imporem ao mundo um status de potência nuclear, no qual talvez peguemos carona.

Quem planejou isso merece uma medalha.

E assim por diante. Mas nada está perdido. Sempre poderemos recorrer à habilidade do presidente para transformar limões em limonadas e demonstrar por que, apesar de tudo, o saldo da nossa participação foi “muito positivo”.
Positivo para quem?

Herdeiros da derrota
A Argentina inquieta-se e protesta contra o fato de o Reino Unido prospectar petróleo nas Malvinas, que o colonizador chama de Falklands. A Argentina tem, em tese, razão. Mas o Reino Unido tem, na vida real, a força.

Um problema da esquerda argentina, hoje no poder, é ser herdeira política da derrota na guerra de 1982. Cristina Kirchner vai lutar agora contra o paralelismo que os adversários farão entre a fraqueza política dela e a fraqueza política dos ditadores que três décadas atrás tentaram retomar na marra o arquipélago, e fracassaram.

O derrotismo e o flerte com a subserviência colonial sempre cobram um preço. Pode demorar, mas a conta vem.

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