quinta-feira, fevereiro 11, 2010

NAS ENTRELINHAS

Elípticas nucleares

Alon Feuerwerker
Correio Braziliense - 11/02/2010


O Brasil por acaso acredita que a nuclearização do Irã abriria espaço para o colapso do tratado de não proliferação, permitindo-nos avançar no domínio da tecnologia para fins militares?


Chegou a hora de o governo brasileiro esclarecer sua posição sobre se convém ao mundo o Irã possuir armas nucleares. Se a resposta é “não”, basta dizer. Se é “sim”, a coisa pode ser afirmada até com mais sutileza, só reforçando o direito de todas as nações à soberania nesse campo. Então, com tudo esclarecido, vai ser possível debater onde afinal entra o interesse brasileiro na história.

Até agora é um tema conduzido elipticamente pela nossa diplomacia e pelo presidente da República. O mais importante é omitido. E talvez não pudesse ser mesmo de outro jeito. Oficialmente, o Brasil rejeita que as pressões sobre o Irã cheguem ao limite das sanções. Defende o diálogo.

Ótimo. Mas diálogo com que objetivo? Isso não está claro.

Luiz Inácio Lula da Silva tem dito também, direta ou obliquamente, ele próprio ou pela palavra de outros, que países já atômicos não devem meter o bedelho na vida alheia, pois lhes faltaria moral para tanto. É uma defesa do “sim” como resposta à questão que abre esta coluna, e exatamente com o argumento da soberania.

Talvez o governo brasileiro acredite que um Irã nuclear é necessário para desbloquear a emergência do Estado palestino, sem pré-condições impostas por Israel ou pelos Estados Unidos. É a posição, entre outros, do Hamas e do Hezbollah. Mas enfrenta feroz resistência entre a ampla maioria dos árabes, pois daria a Teerã a vantagem estratégica capaz de desequilibrar o jogo na região. Possivelmente Israel teria como defender-se no novo contexto. Os outros vizinhos do Irã, não.

Talvez o Itamaraty considere que um arsenal nuclear iraniano poderia enfraquecer a posição relativa dos Estados Unidos no Oriente Médio, abrindo espaço ao Brasil como potência planetária emergente, ainda mais por sermos interlocutor privilegiado daquela república islâmica.

O governo Lula tem insistido para ser convidado à mesa nas discussões (hoje bloqueadas) entre israelenses e palestinos, mas nosso poder de fogo é relativo, menor ainda que o da Europa. Quem dá as cartas na barafunda levantina são os Estados Unidos, a Rússia e Israel. Possivelmente pela superioridade militar.

O Brasil por acaso acredita que a nuclearização do Irã abriria espaço para o colapso do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, de que somos signatários, permitindo-nos avançar no domínio da tecnologia para fins militares? A pergunta é um pouco longa mas necessária. É isso? Nós queremos ter a bomba? O governo está em busca de motivos, ou pretextos, para tomar as providências jurídicas e materiais para tal?

Para que nós precisaríamos mesmo da bomba? Para construir uma hegemonia hemisférica à margem da área de influência dos Estados Unidos? Pois para atacar a Argentina é que não vai ser. Não temos qualquer contencioso com ela ou outros vizinhos. Pelo menos não contenciosos que demandem solução militar. E, se um dia possuirmos artefatos nucleares, certamente os colegas da América do Sul correrão a neutralizar a vantagem brasileira. O que poderia se dar por dois caminhos. Eles próprios possuindo a bomba ou então permitindo aos Estados Unidos uma presença de dissuasão aqui ao lado.

A América do Sul é um continente privilegiado, livre do terrorismo e de todo tipo de arma de destruição em massa. É o cenário perfeito para a expansão de um “soft power” como o Brasil, baseado na pujança relativa da economia, na proximidade da língua, na nossa herança histórica desprovida de ímpetos coloniais.

Será o caso de mudar a abordagem? Se for, o governo poderia explicar por quê?

Solto
O Banco Central ajudou a colocar lenha na fogueira para o real perder um tanto de valor. Mas se houvesse ameaça inflacionária o BC não estaria fazendo isso, não deixaria o dólar correr solto.

É reconfortante a tranquilidade do BC em relação ao dólar. É o maior sintoma de que não há qualquer motivo razoável para subir os juros.

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