segunda-feira, fevereiro 22, 2010

MARCELO DE PAIVA ABREU

Menos Irã e mais algodão


O ESTADO DE SÃO PAULO - 22/02/2010


Há grande disparidade nas avaliações dos oito anos de diplomacia do governo Lula. Mesmo sem levar em conta as análises apaixonadas, corolários de posições de defesa ou de condenação automática de qualquer ação do governo - independentemente de suas virtudes ou seus defeitos.

Entre as análises menos contaminadas por posições apriorísticas, é possível distinguir avaliações positivas, em geral enfatizando os aspectos políticos da política externa. Reflexo talvez de encantamento quanto ao protagonismo exacerbado da diplomacia presidencial e da constatação de que o Brasil agora tem mais peso nos foros globais do que antes de 2003.

Em contraste, há uma corrente significativa de opinião crítica da diplomacia lulista, sublinhando a ausência de resultados concretos, especialmente no terreno econômico. Os que privilegiam o ângulo político tendem a descartar tais críticas considerando-as "economicistas", isto é, enfatizando indevidamente objetivos econômicos em detrimento dos políticos. E, no entanto, a análise dos fatos indica que os críticos "economicistas" estão provavelmente mais próximos de uma avaliação equilibrada da diplomacia brasileira recente do que os apologistas da diplomacia baseada em avanços essencialmente políticos.

A ausência de resultados substantivos econômicos decorrentes da ação diplomática brasileira é reconhecida por quase todos. O governo tem pouco a mostrar, a menos da entrada da Venezuela no Mercosul... Idealmente, os objetivos políticos permanentes de política externa deveriam ser respaldados por diplomacia substantiva no terreno econômico, para que se assegurasse a estabilidade dos seus resultados. O que seria atualmente a aproximação política entre o Brasil e a Argentina, se não houvesse o Mercosul?

A ênfase na importância do protagonismo político seria mais defensável caso fosse possível assegurar que essa postura, dependente de diplomacia presidencial, pudesse ser mantida após 2010. É difícil ver quem poderá substituir Lula nesse papel. Não é, certamente, por acaso que o PT desejaria submeter as decisões de política externa a um conselho com representatividade política "adequada". Tudo isso sugere que o aparelhamento do Itamaraty poderá ser ainda mais custoso do que pensavam mesmo os mais pessimistas.

Por outro lado, os resultados da diplomacia centrada em objetivos políticos não são satisfatórios. Parcerias estratégicas na Europa, na Ásia e na América do Sul, racionalizadas pelo objetivo de assegurar ao Brasil um lugar no futuro Conselho de Segurança expandido das Nações Unidas, parecem a cada dia menos equilibradas, menos estratégicas e menos promissoras.

Na América Latina, os últimos meses marcaram o enfraquecimento de aliados "estratégicos", com o agravamento dos previsíveis problemas econômicos tanto na Argentina quanto na Venezuela. A derrota da esquerda no Chile impôs restrição adicional à política exterior brasileira no continente. A diplomacia hoteleira do Brasil em Honduras acarretou desgastes custosos.

No caso da França, o desalinhamento dos parceiros sobre a política em relação ao Irã mostra claramente que qualquer ideia de parceria estratégica com o Brasil é condicionada pela relação prioritária entre a França e os Estados Unidos. Dada a pobreza da agenda econômica positiva do Brasil em relação à França - bastião do protecionismo agrícola mundial -, cresce a desconfiança de que, em vez de parceria estratégica, se deve ler simplesmente assimétrico acordo de cooperação militar e, mesmo assim, com aspectos extremamente polêmicos.

As relações com a China no terreno econômico consolidaram a posição do Brasil como importante supridor de commodities e de mercado para produtos manufaturados chineses.

Tentativas de atração de investimentos chineses no Brasil e de diversificação do leque de iniciativas de cooperação científica e tecnológica têm alcançado resultados modestos. No terreno político, o Brasil, agora membro temporário do Conselho de Segurança das Nações Unidas, juntou-se à China como na resistência a adotar uma posição dura quanto às tergiversações iranianas em relação ao seu programa nuclear. Embora tal posição angarie simpatia no mundo em desenvolvimento, é improvável que deixe de ser registrada como pouco cooperativa por boa parte dos membros permanentes do conselho. Será postura prudente para um postulante crônico ao Conselho de Segurança expandido?

A posição do Brasil em relação ao programa nuclear iraniano e a insistência em criar relação especial com Teerã - outra "parceria estratégica"? -, além de não serem justificadas por interesses prioritários aparentes do Brasil, acarretam fricções com parceiros importantes, notavelmente os Estados Unidos. É um caso em que objetivos políticos estão dificultando a obtenção de resultados econômicos concretos.

O País deveria concentrar o uso de seu cacife limitado - bazófias à parte - para alcançar objetivos de interesse inequívoco, como a eliminação dos subsídios norte-americanos ao algodão por meio da imposição de retaliações aos Estados Unidos, de acordo com as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC).

A política externa brasileira tem produzido resultados concretos modestos e não está definindo adequadamente as suas prioridades. Há sempre o perigo de que a atual administração, consciente da ausência de resultados permanentes de sua atuação, costure às pressas um acordo insatisfatório com a União Europeia. A posição brasileira de "demandeur" agrícola não deve ser sacrificada, ao apagar das luzes, por tentativas de remendo de erros do passado.

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Marcelo de Paiva Abreu, Ph.D. em Economia pela Universidade de Cambridge, é professor titular no Departamento de Economia da PUC-Rio.

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