terça-feira, fevereiro 09, 2010

LUIZ GARCIA

Os gays e a farda

O GLOBO - 09/02/10

O general Raymundo Nonato de Cerqueira Filho é certamente um homem honesto e corajoso, e está pagando por isso. Indicado para ministro do Superior Tribunal Militar, submeteuse à sabatina de praxe e de lei na Comissão de Justiça do Senado. E fez uma declaração tão sincera quanto polêmica: para ele, homossexuais não podem integrar as Forças Armadas, porque “soldados não obedeceriam a comandantes gays”.

É opinião que merece ser discutida — como, de resto, já está sendo. Se o general tivesse razão na sua premissa sobre a atitude da tropa, militares homossexuais representariam risco permanente de indisciplina numa corporação que depende de respeito integral e permanente da disciplina para funcionar.

Mas a situação não é tão simples e clara quanto parece a Cerqueira Filho.

Em primeiro lugar, o direito à opção sexual é reconhecido pela sociedade. Além disso — e esse talvez seja o dado crucial na avaliação das convicções do general — não existe um padrão universal, único, de comportamento homossexual. Há cidadãos que procuram ser e parecer tão femininos quanto possível. Porque prefeririam ter nascido mulheres, ou, sei lá, por sentirem necessidade de exibir, ou caricaturar, comportamentos e atitudes femininas.

Seja qual for a sua motivação, parece ser inteiramente razoável admitir que essa postura seja incompatível com uma carreira militar.

De resto não se conhecem casos de travestis tentando sentar praça ou se matricular nas Agulhas Negras. Os “comandantes gays” temidos pelo general (e por muitos de seus companheiros de farda) simplesmente não têm esse perfil.

São homens que têm atração por homens.

É uma forma de identidade sexual não melhor nem pior, mas bem diferente daquela das almas femininas aprisionadas em corpos masculinos.

Tem razão o presidente do STM, Marques Soares — um civil, mas isso está longe de vir ao caso — ao dizer que não comete crime algum o militar que não praticar publicamente ato libidinoso, homo ou heterossexual. Em suma, para usar expressão antiga, o militar tem que se dar ao respeito. Vale para o recruta e para o general.

O mesmo Marques Soares pode não estar certo quando diz que o general não tinha intenção de discriminar homossexuais. Cerqueira não fez outra coisa ao generalizar, afirmando que “soldados não obedeceriam a comandantes gays”. Ele parece pressupor que a opção sexual em si, e não o caráter e o comportamento público do militar, já bastaria para fazê-lo indigno da carreira militar.

Toda organização militar precisa ter normas e critérios visando à preservação da disciplina. Ninguém discute isso. Mas parece ser absurda e preconceituosa a premissa de que a opção homossexual de um militar representa inaceitável risco de escândalo e desordem.

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